A ministra da Cultura, Graça Fonseca, defendendo a manutenção do IVA de 13% na atividade tauromáquica, foi ao Parlamento dizer que “as touradas não são uma questão de gosto, mas de civilização”. Esta afirmação causou nos “lobis” tauromáquicos uma forte reação, como se a qualificação proposta pela ministra estivesse errada.
Faz todo o sentido baixar o IVA de 13% para 6% nas manifestações de arte, música, literatura, teatro, cinema, bailado, exposições e outras atividade verdadeiramente culturais, mantendo, no entanto, a tauromaquia na área de outras atividades comerciais. Daí muitos portugueses defenderem que tal manutenção de 13% na tauromaquia peca por defeito, devendo o IVA aplicada para esta atividade ser aumentado para 23%.
Como é possível, à luz da civilização atual, qualificar-se como cultural uma atividade que tem por prática a tortura animal apenas para divertimento?
A indignação de Manuel Alegre, consignada na “Carta Aberta a António Costa”, publicada no jornal Público, pela não inclusão das touradas no setor cultural, fundamenta-se no chavão da “liberdade e democracia”, escondendo a verdadeira razão dessa indignação, ou seja, o gosto pela tortura animal, associada à tourada.
Defender a existência de espetáculos que vivem dos maus tratos a animais é querer impôr a “ditadura do gosto”, que uma sociedade civilizada tem de evitar. Por isso, concorda-se com os centristas ao defenderem a necessidade de criar um “IVA para a cultura” em contraponto ao “IVA do gosto”. Na verdade, o “bom gosto” deixa de ter qualquer assento objetivo, diluído nas interpretações abusivas da afirmação segundo a qual “gostos não se discutem”.
Nem os preceitos religiosos, nem as normas éticas e jurídicas, nem a ordem estética terão significado pleno sem ser na base de uma subordinação valorativa. A subordinação humana a um sistema axiológico (teoria de valores) não parece admitir facilmente compartimentações, pois essas vivências reclamarão uma harmonia global.
A expressão “cultura”, de harmonia com a sua raiz etimológica (do verbo latino “colere”= cultivar) admite diversos sentidos, que compreendem, o cultivo de solos e a cultura física, mas, em sentido restrito, a palavra foi reservada a um processo de aperfeiçoamento do homem e da sociedade. A cultura pressupõe sedimentação e esforço coletivo, através de um adequado processo evolutivo das comunidades.
A cultura envolve uma referência valorativa, uma tendência de aproximação de um valor ideal ou de todo o complexo axiológico, possível, por exemplo, através do direito positivo e das normas legais: é o direito como produto de um processo cultural.
Segundo o filósofo alemão, Max Ernst Mayer, “a cultura é o cultivo de um interesse comum e da situação resultante, situação que se acha marcada pela referência a um valor. Não constituirá apenas realidade, ou apenas valor, mas a unidade de uma e outro. Tratar-se-á de uma realidade tornada valiosa, ou de um valor convertido em realidade.
A cultura, no dizer do referido filósofo, deve refletir a necessidade sempre renovada, de referir parcelas da realidade a um valor ou um valor a parcelas da realidade. Os seres não cultivados, não aperfeiçoados, constituem a negação da cultura” (cf. Filosofia do Direito).
As orientações da Igreja Católica também não deixam margem para dúvidas.O Papa Pio V considerou as touradas suscetíveis de estimular os maus instintos e pela constituição “De Salute”, de 1.11.1557, lançou a excomunhão sobre os intervenientes e assistentes. Porém, mediante pressão dos reis católicos de Espanha, Gregório XIII, em 25.8.1575, levantou a excomunhão, mantendo a proibição aos cavaleiros das Ordens Militares.
O Papa Xisto V, em 14.4.1586, exprime o desejo de que os clérigos não assistam a estes espetáculos. Naturalmente, estas “conselhos” também se aplicam aos leigos, uma vez que não existem normas canónicas posteriores que os contrariem.
Como muito bem refere o deputado europeu Francisco Assis, num excelente artigo do Público, de 22.11.18, “por muito arreigadas que estejam no imaginário de algumas culturas populares regionais, as touradas ofendem descaradamente valores que estão hoje devidamente salvaguardados e protegidos no ordem jurídica nacional.
Esses valores, como não poderia deixar de ser, revestem-se de uma dimensão ética que tem que ver com a forma como os seres humanos concebem a própria ideia de Humanidade. As touradas antes de serem uma questão de touros são algo que interpela directamente o ser humano”.
De acordo com a última edição do Semanário Expresso (24.11.18), deputados do PS preparam uma proposta de lei para regulamentar a existência de touradas sem sangue e com velcro, solução já adotada nos EUA (levada por emigrantes portugueses para contornar a proibição de touradas), Canadá e Grécia.
Trata-se de um sistema indolor para o touro e que retira sangue da arena. Do mal o menos, dizem alguns dos defensores da abolição das touradas, sendo que outros preferem umreferendo sobre a matéria.
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