Há dezenas de anos que se analisa, discute e prepara uma solução alternativa para descongestionar o tráfego do aeroporto Humberto Delgado (Portela), procurando uma solução complementar, pois os governos garantiam que este não poderia ultrapassar os 15 milhões de passageiros. Mas com a implantação mais recente de algumas estruturas para aumentar o tráfego aéreo, a capacidade passou para os 22 milhões de passageiros e em 2019 este aeroporto recebeu 30 milhões.
A alternativa devidamente estruturada foi iniciada em 1999, com a eventual localização na OTA, sendo Secretário de Estado do Ambiente José Sócrates, mas após estudos detalhados e pedido de pareceres a diversas entidades públicas e privadas, esta solução foi abandonada por motivos técnicos geo-estruturais e necessidade de novas estruturas ferroviárias e rodoviárias.
Ao tempo, como presidente da Associação Portuguesa de Geólogos (APG), demos parecer desfavorável para a OTA, sinalizando Alcochete ou Montijo e colocando de parte Rio Frio, devido ao facto de aí estar situado o maior aquífero subterrâneo do país. Referiu-se que Alcochete implicava elevados investimentos, embora se afigurasse uma melhor solução sob o ponto de vista ambiental, pois em Montijo ficaria situado numa zona de biodiversidade variada e com áreas pantanosas, sujeitas às consequências resultantes das alterações climáticas, que se vieram e vêm a verificar, originando problemas com a futura subida de nível do mar. Considerou-se também a grande ocupação territorial humana, constituindo um impacto prejudicial para a região.
Outras soluções foram consideradas: Beja, Tires e Alverca, mas sobre as quais não incidiram quaisquer estudos ou houve simplesmente pareceres prévios, com a finalidade de prosseguir com alguns projetos.
Optou-se por Montijo, tendo sido elaborados vários estudos e projetos, envolvendo laboratórios técnicos, universidades e gabinetes especializados em diversas matérias, com a intervenção de grandes especialistas para uma decisão final e iniciar de imediato a elaboração das infraestruturas para o projeto aeroportuário complementar do Aeroporto Humberto Delgado.
Quantos milhões de euros se gastaram a partir de 1999, para chegar à decisão do Montijo, o qual avançou apesar de pareceres desfavoráveis nas áreas da biodiversidade e geoambiental, considerando os terrenos pantanosos e o comportamento marinho a médio/longo prazo, como consequência das mudanças climáticas e do degelo.
É de referir que o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) contrariando pareceres técnicos, deu aval favorável, sabendo que ia colocar em causa a integridade da própria Zona de Proteção Especial (ZPE) do estuário do Tejo.
Antes de avançar com o projeto definitivo devia ter sido criado desde 1999 um Grupo de Trabalho público, independentemente do arco da governação, pois este e outros assuntos de relevante importância para o país, devem prosseguir com competência técnica, observação e diálogo aberto a todas as entidades e tendo em atenção a legislação em vigor, antes de serem tomadas decisões ao sabor de diversos interesses, que não são os do país.
Avançar e depois impor com ameaças não parece o procedimento mais correto em democracia, pois os cidadãos e as entidades públicas regionais têm direito a pronunciar-se, embora se saiba que é difícil obter consensos gerais, mas deve-se procurar a melhor opção, com capacidade firme na decisão, depois de medir os prós e os contras.
Face a esta situação e ao fim de dezenas de anos para se tentar encontrar uma solução consensual e objetiva e perante o contributo atual do turismo em cerca de 20% para a economia do país, estamos a hipotecar o futuro.
A democracia foi um bem em diversas áreas político-sociais, mas há projetos e atividades de governação que devem ter continuidade e previsões de implementação para médio e longo prazo, seja qual for o governo em exercício, pois são fundamentais para o futuro e desenvolvimento do país, incidindo principalmente nas áreas da educação, da saúde, da segurança social e da justiça.
Infelizmente este caminho não tem sido seguido no passado recente, altamente prejudicial nas vertentes acima referidas e agora surge o problema com o aeroporto do Montijo e um novo projeto conduz a prejuízos incalculáveis até ser escolhido um novo local, seguindo-se a elaboração de novos estudos até entrar em atividade o equipamento aeroportuário.
Autor: Bernardo Reis
As indecisões, a ausência de consensos e o aeroporto em Montijo

DM
7 março 2020