O Desafio das Crises matrimoniais à luz da Exortação Apostólica AL (números 232-252).
O matrimónio é um estado de vida escolhido por duas pessoas de sexo oposto em vista a constituírem uma família inserida no círculo íntimo da Igreja doméstica, diria S. João Paulo II, e ao mesmo tempo na esfera social.
Instaurar uma convivência para todo o sempre, sob o vínculo indissolúvel do matrimónio, é como comprar uma viagem de comboio: bela e prazerosa, condividida com quem amamos, com quem desejamos. Mas com as nuances próprias das vicissitudes da vida que inevitavelmente tocam, de forma directa, o sofrimento. Por isso, ouso à luz dos números 232-252 da Exortação Apostólica Amoris Laetitia apresentar o matrimónio como AMOR(E), visto numa perspetiva vertical, donde dimanam todas as crises que lhe são inerentes, e em simultâneo normais na vivência quotidiana de dois seres humanos não infalíveis. Pensar num conceito de amor onde o sofrimento está ausente seria compará-lo aos efeitos benéficos da água de uma fonte que secou há séculos!
No meu parecer analítico, e neste contexto, o matrimónio verdadeiro passa por cinco fases distintas:
A: amor – fase de conhecimento mútuo, DESCOBERTA, COMPLEMENTARIEDADE, PAIXÃO, UMA VIVÊNCIA NOVA, (re)NAMORAR com total liberdade e independência.
Nesta fase, temos o conceito de amor, tal e qual como ordinariamente o definimos: um estado de vivência onde a ausência do mal é notória e sublinhada. Quase não há espaço para a experiência do sofrimento, para o toque da contradição. Porém não passa de uma experiência utópica, ilusória e efémera.
M: monotonia – (nn. 235-236): os cônjuges entram numa rotina diária, já nada há para descobrir um no outro. A vida é preenchida pelas mudanças EXTRÍNSECAS das partes, nas quais elas passam a ocupar um espaço secundário: filhos, pais/sogros, trabalho, ausência, problemas: afectivos, económicos, laborais, tempo, amigos, etc.
Para ultrapassar esta fase é importante a compreensão da Parte mais “aliviada, e serena”, mas também o acompanhamento de casais mais experientes, amigos, e sempre que possível de um acompanhamento espiritual. Digo possível, porque é preciso que as Partes que vivenciam este primeiro drama (pode ter um prolongamento de tempo, mais ou menos longo) procure esta ajuda, e a ela se entregue. Também é verdade, e é preciso esclarecer os fiéis neste sentido, porque nem sempre sabem como procurá-la, e a quem recorrer. O caminho de discernimento que tanto se tem vindo a falar nos últimos tempos, deveria começar aqui, sem demoras.
O: ódio (nº 237) – dificuldade em ultrapassar a menor contradição/ desilusão. Tudo é motivo para terminar a vida conjugal. O outro cônjuge deixa de ser alguém desejado e amado, e toma o lugar de um estranho não querido, que por regra defraudou os planos matrimoniais.
Está muito patente nesta fase o egocentrismo e o narcisismo, frutos de uma carência de maturidade.
R: reconciliação (nº 238) - REDESCOBERTA do outro. PERDÃO E O REENCONTRAR-SE novamente. Ver a face do outro e reconhecer que aquela pessoa em concreto é a mesma que na época de namoro/noivado, lhe tinha conseguido transformar a paixão em amor.
É a fase em que os cônjuges alcançam a plena maturidade, e aprendem a não viver um sem ou outro.
E: eternidade – indissolubilidade do matrimónio: RENOVAÇÃO DOS VOTOS (CONSENSO): envelhecer juntos… até que a morte os separe.
Os cônjuges passam a viver todos os dias uma verdadeira vida conjugal, repetindo, diariamente: queres casar comigo todos os dias? (Pedro Chagas Freitas).
Infelizmente, nem sempre é possível ultrapassar todas as etapas, e evitar o inevitável: separação ou divórcio! Poderíamos enumerar imensas razões, que podemos sintetizar em dois chavões: Grave perigo moral ou físico das pessoas (cônjuge e/ou filhos), e a impossibilidade de estabelecer uma vida conjugal a dois (bilateral) (nn. 239-240).
Na grande maioria, a génese do problema está arraigado na INFÂNCIA/ ADOLESCÊNCIA de uma ou ambas as Partes, quer por CARÊNCIA AFECTIVA quer por EXCESSO DE AFECTIVIDADE. Em ambos os casos patenteia-se uma MATURIDADE débil, incapaz de acompanhar o crescimento intelectivo/ volitivo do indivíduo que se propôs a casar. No entanto, não é um dado conclusivo, pode haver distúrbios da personalidade ou outras anomalias adquiridas ao longo da vida.
A Igreja tem aqui um papel muitíssimo importante, que deve desempenhar activamente e sem reservas; permito-me resumi-lo numa única atitude, tendo em conta toda a amplitude que lhe é inerente: O ACOLHIMENTO. Primeiro, pela Comunidade agindo com compaixão face ao sofrimento do outro (não podemos esquecer as feridas profundas que causa a separação/ divórcio), que consequentemente leva à inserção no seio da própria comunidade, de igual para igual, independentemente da situação de cada um. Depois, pelos “pastores”, em dois campos diversos: ajuda espiritual e ajuda mais técnica, que por sua vez conduz ao terceiro ente do acolhimento, a saber, o Apoio “jurídico canónico” (nº 244) onde com total prudência, recorrendo sempre às virtudes teologais da fé, esperança e caridade, avaliará a situação e conduzirá sempre que haja fundamentos de facto a um processo de declaração de nulidade matrimonial. Em caso negativo, conduzirá os interessados para o acompanhamento de discernimento espiritual, onde poderão encontrar paz, e as respostas mais válidas para cada problema em concreto.
A família será sempre a semente da Igreja, e a Igreja será infinitamente a sua Mãe!
Autor: Catarina Alexandra Salgado Gonçalves
“As feridas do matrimónio e a aproximação à declaração de nulidade".
DM
15 maio 2018