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As férias da gaivota

Uma gaivota esvoaçou rente à varanda onde me reclino nestes dias de calor quando este, repelido pela brisa fresca, vai para longe espreitando o dia seguinte onde é rei. E a gaivota, com seu pio ladrado, recorda-me férias passadas. A nostalgia não é sentimento que me assalte com facilidade ou frequência, mas não posso segurar nas lembranças desses tempos, em que os filhos brincavam com os baldes e as formas na areia. Os tempos voaram e nas suas asas fica-me o consolo de ver, de cima das pressas de outrora, a serenidade alicerçada na convicção de que tudo fiz pelo melhor. E os meus filhos lá vão na mesma ânsia de viajar, de conhecer novas paragens, de observarem novas gentes, usos e costumes, com a mesma fome insaciável que dantes devorou também a minha curiosidade. Mas se eu fico e eles vão, por que razão não fico triste, angustiado, quiçá invejoso de os ver ir e eu ficar? A resposta parece-me fácil. Porque para ir de férias é preciso ter força física suficiente para nos maçarmos com as malas, com as ligações dos transportes, com as caminhadas aos lugares turísticos; é necessária a força anímica para estar na areia da praia ou no hall do hotel mamando tédio, pensando que nos estamos a divertir. Esta lembrança deste incómodo passado, era superada pela alegria de ir. Sempre assim foi e sempre assim será porque a “mudança de ares” nas férias, não carregam baterias como se diz, mas obedecem ao desejo de quebrar a rotina, de ser diferente. Isto porque gostamos de ser outra pessoa e estar onde não estamos. É o carnaval da alma. A gaivota voltou a passar e foi-se em voo picado para os lados do rio Este. Esta gaivota tem o mar perto em Esposende, ou na Póvoa de Varzim: são já ali. Então porque escolheu Braga para estar aqui? Deve estará a passar férias, lá balbucia esta imaginação que não tem emenda; pior, não tem grades que a prendam. Mas parece-me pouco verosímil que uma gaivota também se enfastie do mar onde tem o seu horizonte e queira vir para terra onde tudo é diferente desde o marulhar da maré baixa, ao barulhar dos motores, onde a praia de areia fina é substituída pela aspereza das jogas do rio, onde não existe colónia de gaivotas amigas, em bandos, quiçá em conversas de famílias que só a ornitologia saberá explicar, – sabe-se lá se sabe –; por que razão troca o seu habitat natural por outro que nem sequer é melhor do que o seu? Mas, como os humanos, a vontade de variar é mais poderosa do que o conforto das rotinas. Eu gosto de passear à beira do rio Este: é pequenino, dócil e manso como uma criança, embalada no doce aconchego da alcofa. Numa tarde, numa dessas deambulações, encontrei duas gaivotas, poisadas num pedregulho lambuzado pelas águas. Certamente uma delas era a minha gaivota. Parei para ver o par, mas eles não se importaram com a minha presença e continuaram naquela postura de orgulho levantado, onde o pescoço domina como um cetro de um rei. Que bom, a minha gaivota não estava só e certamente teve pios convincentes para arrastar uma companhia para o rio Este. Como a convenceria a vir passar férias em Braga? Talvez lhe tivesse dito: o rio é pequeno mas nós não precisamos de mais para sermos felizes. Os grandes amores não se definem porque, se alguém os soube definir, é porque, na verdade, nunca amou.

Obs: Boas férias para todos e que elas lhes façam proveito.


Autor: Paulo Fafe
DM

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25 julho 2022