A intenção governamental de suspender os vistos Gold nas cidades de Lisboa e Porto parece, à primeira vista, uma solução sensata, uma ação destinada a estancar um dos problemas mais sérios que atinge, ainda que por motivos diferentes, inúmeras cidades europeias. A ideia, aparentemente facilitadora de um controlo sobre a especulação imobiliária e a consequente prática de preços proibitivos para as famílias, não só peca por tardia, como acabando com a “galinhas dos ovos de ouro” do setor, naquelas cidades, parece estar destinada a disseminar-se como um vírus. De facto, o que o ministro Pedro Nuno Santos afirmou na passada quarta-feira, deve-nos preocupar a todos os que vivemos nas cidades médias, face à possibilidade de pretender transferir para o resto do país, o problema que pretende estancar nas duas cidades. Pensar-se que ter vistos Gold em Aveiro, Coimbra ou Braga, impulsiona a reabilitação urbana e que a animação do mercado imobiliário ajuda a alavancar a economia local tem dois problemas de base sobre os quais vale apena refletir. Primeiro, conhecendo-se o historial dos investidores, a presença deste tipo de investimento é venenosa, na medida em que, do resultado do investimento, o que sobra são casas vazias, movimentos financeiros destinados a um nicho do mercado e seguramente a garantia de mais valias para as autarquias locais, via impostos arrecadados, mas não para a economia real, a que faz girar o dinheiro. O que o movimento dos vistos Gold permitiu nas cidades de Lisboa e Porto, foi criar uma oportunidade para o setor “tomar de assalto a bolsa das famílias. O que parecia ser um caminho acertado para a criação e liquidez familiar, através da redução substancial dos encargos nas áreas dos transportes, educação e saúde, está reduzido a nada e o que deveria ser um fator de animação da economia real, transformou-se num pesadelo, um cancro que se não for estancado, tem tendência a tornar o acesso à habitação, uma tômbola. Se pensarmos que sem vistos Gold, mas arrestados por eles, cidades como Braga, Gaia ou Amadora, tem hoje preços proibitivos, com aumentos a superar em média os 20 por cento, (números do INE, 2019), é fácil perceber, como a medida anunciada, é um presente envenenado para as cidades. Um segundo ponto de reflexão, remete-nos para a necessidade de avaliar a pertinência de uma intervenção estatal, ao invés de assobiarmos para o lado e deixarmos o mercado funcionar. Já percebemos, através da novela bancária, que não se pode deixar o porco á solta, porque ele não controla o que come e no final, ao invés de termos chouriços, teremos sebo. A necessidade de olharmos de forma diferente para o problema, impondo necessariamente restrições que facilitem o investimento produtivo e não especulativo, com medidas como aquelas que estão a ser tomadas em países como a Espanha, França ou Alemanha, tornou-se uma emergência nacional por vários motivos: os preços altos conduzem as pessoas à compra de casa por valores artificiais; a subida de taxas de juros, a médio prazo, fará subir a devolução de casas à banca e por último, o efeito maior para a sustentabilidade social, a criação acelerada de novos pobres. Congelar as rendas, definir tetos de valor, impor a obrigatoriedade de ocupação dos prédios adquiridos através dos vistos Gold (habitação e ou escritórios) e criação de uma Autoridade com capacidade de intervenção reguladora, são apenas algumas medidas mitigadoras. Nesta matéria, temos de ser capazes de olhar para o longo prazo para perceber que as medidas que agora forem tomadas a nível nacional e local, serão as marcas do sucesso ou do insucesso enquanto país. Espera-se do ministro que leve a Bruxelas uma proposta para que a Comissão europeia eleja o setor como um dos prioritários da sua ação. Pensar que tudo se resolve com o tempo é definir o próximo castigo do país: comer sebo tendo como pano de fundos cidades ricas… sem ricos.
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