1.Está em curso em algumas farmácias, neste período de Natal, a campanha do arredondamento. À hora de pagarem a despesa feita as pessoas são convidadas a arredondarem – para cima, é evidente – a quantia a pagar. O produto do arredondamento destina-se a ajudar pessoas que não têm dinheiro para comprar medicamentos.
Vejo nesta campanha um alerta para situações de pobreza existentes entre nós. Situações que se manifestam na falta de dinheiro para a compra de medicamentos como para a aquisição de outros bens essenciais.
2.Uma comunidade que se preza não deve tolerar a existência, no seu seio, de pessoas carecidas do necessário para poderem viver com dignidade. Tais situações devem ser identificadas, já que, além da pobreza da mão estendida, existe a pobreza de pessoas que têm vergonha de dar a entender que passam necessidades.
Identificar as situações para lhes dar remédio e para desmascarar e denunciar situações de falsa pobreza, que também existem.
3.Identificadas as situações há que tentar, de imediato, remediar as carências existentes e proceder à averiguação das suas causas, já que a melhor forma de ajudar os pobres consiste em pô-los em condições de não necessitarem de pedir.
Para quem não trabalha podendo fazê-lo, que a ajuda a dar consista em contribuir para que encontrem um trabalho digno e dignamente remunerado.
Em relação a quem não trabalha porque não quer, que se veja a forma como os subsídios estão a ser atribuídos, pois não devem servir para manter ociosidades.
Para quem, de facto, não pode trabalhar – o caso dos doentes e idosos, por exemplo – que se arranjem formas de, discretamente, sem humilhar, respeitando a dignidade do pobre, fazer com que lhe não falte o necessário.
Pode acontecer de a causa da pobreza residir na má gestão do que se possui. Há quem, tendo pouco, nem esse pouco administre convenientemente. Nestes casos a ajuda deverá consistir numa paciente campanha de educação.
Se a comunidade pode solucionar estes problemas, muito bem. Se não, que sacuda a consciência de quem o pode e deve fazer.
4.A existência da pobreza é uma chamada de atenção para as escandalosas desigualdades sociais.
Não alinho na utopia de uma sociedade igualitária mas entendo ser necessário que os muito ricos sejam menos ricos para que os muito pobres sejam menos pobres.
Há ordenados que são uma afronta à pobreza. Como uma afronta são certas pensões de reforma e o dinheiro gasto com o luxo e o espavento. Considero injusta e indigna a existência de pessoas com uma pensão de reforma que não atinge o valor do salário mínimo nacional.
A justa distribuição da riqueza é uma necessidade premente.
É escandaloso e revoltante verificar a existência de gastos supérfluos quando há quem não tem o indispensável para poder viver com dignidade. Continua muito atual a afirmação de que o supérfluo é dos pobres. Quem possui muito tem obrigação de repartir com quem não dispõe do necessário. É uma questão de justiça e não de caridade.
5.A atenção aos pobres começa por ser um dos deveres dos líderes das comunidades locais, quer civis quer religiosas. Os pobres não são apenas filhos da Igreja; também são membros da sociedade civil, são cidadãos como os outros.
Não se julgue que, pelo facto de pregar a caridade, é só a Igreja que tem o dever de ajudar os pobres. E os que apregoam a solidariedade e a ética republicana?
Quem gere os dinheiros públicos em boa consciência não se pode eximir do dever de prestar atenção aos pobres.
6.Não deve ser necessário lembrar que os pobres o são, infelizmente, durante todo o ano. Todo o ano necessitam de dinheiro para a compra de medicamentos, alimentação, vestuário, aluguer de casa, água, luz, gás. O espetáculo dos cabazes de Natal só por algum tempo ajuda a resolver os problemas dos carenciados.
Autor: Silva Araújo