Estava a fazer um teste de contraste cromático, quando a técnica me perguntou o que fazia antes de estar metido nestas “andanças”. Disse-lhe que era psicoterapeuta. Ao que ela respondeu: ui, que isso faz tanta falta hoje… E, sem mais, começa logo a falar de si, dizendo que “anda com uma volta na cabeça e precisa de um psicoterapeuta”. A conversa continuou e ficou-se pela fase das lamentações. Lamentou sobretudo o recurso ao apoio virtual, as consultas por telefone, que estão em moda. Realmente, a dificuldade está, hoje, entre o apoio real e o apoio virtual. A covid-19 deu um rude golpe na proximidade humana, que faz parte da nossa maneira de ser. E não restou outra hipótese senão recorrer ao apoio virtual. As consultas virtuais tornaram-se uma prática comum. Miguel Oliveira da Silva escreveu, no jornal O SOL que “os psicólogos e os psiquiatras nunca tiveram tantos doentes”. Não confirmo nem desminto, porque estou fora da linha. Mas, o que sinto é que, por mais habilidade de comunicação que haja, fica sempre um sabor a distância, falta calor da relação, parece que não existiu... A comunicação social pode facilitar a aproximação online das pessoas, mas não oferece os mesmos benefícios das interações humanas na vida real. Esta é a conclusão de um grupo de psicólogos que estudou este tema, que é cada vez mais importante à medida que crescem os serviços de telemedicina e psicoterapia à distância.
“O uso problemático da média social tem sido associado à depressão, ansiedade e isolamento social. Ter um bom sistema de suporte social ajuda a proteger as pessoas de uma saúde mental negativa”. O Prof Dar Meshi, da Universidade de Michigan (EUA), estudou as diferenças entre o suporte na vida real e o suporte fornecido nas redes sociais e respectivos efeitos benéficos: embora o suporte online não tenha impacto negativo na vida real, apenas o suporte na vida real se mostrou vinculado a uma melhor saúde mental geral”; as interações típicas nas redes sociais são limitadas, não permitem uma conexão mais substancial, que pode ser precisa para fornecer o tipo de suporte que protege contra a saúde mental negativa”. Parece até que, quanto mais excessivo é o uso das média sociais, menos apoio social essas pessoas obtêm na vida real, o que pode levar a problemas de saúde mental, escreve Morgan Ellithorpe, da mesma Universidade.
E quanto mais íntima for a relação, mais essa carência se nota. Claro que não vamos daqui concluir que se deve menosprezar ou excluir a comunicação online. Nas actuais circunstâncias, é o que se pode ter. É melhor que nada. E deve ser usado o melhor possível. Essa é a principal questão. Estou-me a referir, não apenas à relação pessoal mais íntima, que se cultiva no amor, onde a crise já é bem visível mesmo na natalidade, mas também ao nível da comunicação e expressão religiosa, que implica a intimidade do fundo existencial da pessoa. E, aqui, não posso deixar de lamentar que se não tenha aprendido com os sinais dos tempos e se aguarde apenas que tudo volte ao que era antes, que não se tenha aproveitado a onda da “igreja doméstica” e continue a centralizar tudo como socialmente nada tivesse acontecido. O regresso ao espírito de iniciativa e de participação solidária é essencial em qualquer grupo para evitar o desinteresse e o abandono, prova-o o abandono que se regista na Europa e a fuga para as igrejas pentecostais na América do Sul há (ver no DM artigo de Carlos Vaz, dia 22 de Maio). É preciso uma nova forma de liderança participada.
Quando digo que se aproveite a comunicação virtual o melhor possível, estou a pensar no nível da comunicação emocional e no fomento da interacção. Se faltar a interacção no a grupo e tudo ficar reduzido a uma rígida repetição ritual, por muito bonita que seja a representação, perde-se a expressão pessoal de comunicação. A uma representação apenas se assiste. Um pequeno gesto pode humanizar a repetição ritual, desde que não seja teatral e exprima a sinceridade dos sentimentos daquilo que se pretende comunicar.
DESTAQUE
Um pequeno gesto pode humanizar a repetição ritual, desde que não seja teatral e exprima a sinceridade dos sentimentos daquilo que se pretende comunicar.
Autor: M. Ribeiro Fernandes
Apoio real e apoio virtual
DM
30 maio 2021