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Apanhados 2

Apanhado 1 — Junto ao McDonald’s que já foi café Avenida, na Avenida Central, desta nossa cidade Augusta, Bimilenar, Barroca e dos Arcebispos, aquando das obras de restauro do edifício já do tempo da maria cachucha, foram descobertos vestígios arqueológicos como reza a placa na parede norte: Estrutura para contenção de água do período Alto medieval (em estudo) — Gabinete de Arqueologia da Câmara Municipal de Braga e Unidade de Arqueologia da Universidade do Minho. Ora, há dias, intrigou-me a postura de um casal de turistas, mapa em punho à procura do poço; ele, rabo ao alto qual muçulmano em fervorosa oração virado para Meca e ela, de pé, a seu lado, a dar-lhe umas dicas e de telemóvel apontado; agora se fosse ela com a sua arrojada minissaia, de cócoras como o companheiro a espreitar o buraco, ai, ai que ainda tínhamos televisão de borla, embora a preto e branco e decididamente a proclamar que foi em tal postura que a Alemanha perdeu a guerra. Pois bem, após aturado jogo de espreita-que-espreita, os pacientes e sofredores turistas desistem da aventura com cara de poucos amigos e a resmungar sabe-se lá o quê; embora, não seja difícil de adivinhar o calibre de tais resmungos e impropérios que proferem e estampados estão nos gestos e trejeitos que para o ar vão debitando. Deixei que se afastassem e aproximo-me do achado arqueológico; e qual não é o meu espanto ao constatar que a tampa de vidro, plástico ou acrílico, sabe-se lá, que tapa a boca do poço está tão danificada que não dá para ver patavina, nem que fora com o tal e famoso canudo de ver Braga. E pena é, pois, os turistas não merecem serem assim defraudados; e, sobretudo, terem de praguejar contra as nossas ofertas turísticas e a forma como lhes são apresentadas. Por isso, é urgente rever os roteiros e respetivo estado de utilização e conservação que, no caso presente, é pão-pão-queijo-queijo: que o pelouro respetivo da Câmara Municipal mande avançar a brigada da lixívia e do escovilhão; até porque o que é bom é para se ver e não somos assim tão ricos em termos arqueológicos para nos darmos ao luxo (lixo) de esconder as nossas preciosidades. Depois, se alguém está à espera que as turistas de minissaia lhe permitam tirar, à boca do poço, de rabo ao alto e viradas para Meca em oração, uma selfie que tornem viral no facebook, desiluda-se que elas, hoje em dia, preferem o uso de pantalonas; ademais, de rabo ao alto em oração e viradas para Meca, não me consta que seja prática de mulheres. Apanhado 2 — Braga sempre foi, ao longo dos tempos, dado o seu provincianismo, uma cidade bisbilhoteira; e, então, os cafés facilmente viraram palco privilegiado para a exibição dessa singularidade essencialmente feminina; quem não se recorda da famosa esquina da Benamor ou das vitrinas da Brasileira-A-Velha de saudosa memória? Pois bem, os tempos mudaram e com eles igualmente mudaram os protagonistas, a forma e os palcos da bisbilhotice: que, agora, dada a frequência vária e volante dos cafés centrais da cidade, se centram em zonas periféricas e específicas de passagem obrigatória de peões. Assim, diariamente se reúnam, de manhã, junto ao Posto de Turismo ou sentados nos muros de pedra junto ao banco de Portugal, grupos de homens que, dada a sua idade e postura, presumo de reformados; e isto acontece mais, porque a Arcada que sempre foi local de bate-papos e acesas discussões mundanas, com as esplanadas dos cafés ali existentes, virou madrasta destas reuniões e tertúlias. São grupos numerosos e ruidosos que dissertam e discutem de tudo na lógica do treinador de bancada: política, futebol, economia e, até, sexologia; e, umas vezes mais cordatos e pacíficos, outras um tanto agressivos e malcriados, estes cidadãos não podem fazer poiso habitual nos cafés, dado que o dinheiro não abunda e o espaço para tamanho populaço escasseia. Há dias, numa das minhas habituais deambulações pela cidade e em manhã luminosa e fresca respiguei este saboroso naco de prosa, junto de um desses grupos, por sinal o mais numeroso e loquaz: Diz o mais matulão do grupo: – A Câmara devia pôr debaixo das tílias mesas e bancos para jogarmos umas suecadas. E contra-ataca o mais lingrinhas: – Ora vai-te matar, até parece qua andas a dormir na forma, não vês que ela só quer pagode. E, então, o dos óculos de sol que me parece o mais letrado e filósofo a disparar: – Seus parolos o que mais preocupa a Câmara é meter na ordem os automobilistas com pilaretes, corredores BUS e passadeiras azuis; até aposto que é para que os pilaretes lhe garantam um lugar no Livro dos Recordes (Guinesse Book). – Boa, boa – acode o mais tarreco do grupo – agora, de cidade dos três pês, com mais estes dois (o de pagode e o de pilarete) vamos passar a cidade dos cinco pés. Afasto-me a rir por dentro e a pensar que, afinal, se há coisa que nunca falta ao portuguesinho é o bom humor. Então, até de hoje a oito.
Autor: Dinis Salgado
DM

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14 novembro 2018