Um povo sem raízes é um povo sem Memória, sem História, raízes que definem as suas origens, o seu crescimento e desenvolvimento, a sua cultura, a sua identidade, os seus valores, a sua língua, a sua bandeira, o seu hino e, obviamente, os seus berços e as suas tumbas.
Povo que somos há mais de novecentos anos, depositário seremos de uma Memória e História coletivas ímpares, feitas de avanços e recuos, de vitórias e derrotas, de muito sangue, suor e lágrimas que plasmados estão num património arquitetónico, cultural, linguístico e artístico riquíssimo; e deste património sobressai a arquitetura monumental perdurável, porque desafiadora da longevidade e secularidade dos tempos.
Pois bem, sendo parte desses marcos históricos que se espalham por cidades, vilas e aldeias, a estatuária, esta sempre encontra formas de assinalar os atos e feitos nobres de vultos representativos de momentos e épocas; e estas formas simples de fazer história e de perpetuar memórias devem merecer a aceitação e o respeito de todas as gerações que se afirmam e definem como pertencentes a um povo, a uma História, a uma Nação.
Todavia, temos assistido um pouco por todo o mundo à destruição do património de alguns países levada a cabo por forças revolucionárias e anarquistas quando alcançam o poder, seja pela força da ideologia, seja pela força das armas; e já no nosso país, após o 25 de Abril durante o PREC (Processo Revolucionário em Curso), intenções houve de substituir o Hino Nacional levadas a cabo por forças de esquerda e extrema-esquerda, como tentativas frequentes de desvalorizar o passado ou mesmo apagá-lo através da demolição dos sinais e marcos históricos e, até, da sonegação de informações históricas dos livros e arquivos existentes; valeu o repúdio de todos os portugueses conscientes e responsáveis para que tal não acontecesse.
Ora, concretamente, no que a esta temática diz respeito, a nossa cidade de Braga (bimilenar, dos Arcebispos, augusta e barroca) é pouco dada ao uso de estátuas e bustos para informação pública da sua vasta e rica história; e estas marcas de Memória e História que por aí se veem surgem com pouca visibilidade e empolgamento, quem sabe se fruto de uma idiossincrasia preconceituosa, comezinha e provinciana que, ao longo dos tempos, definiram o viver e sentir dos bracarenses.
E, sendo Braga a cidade dos Arcebispos, não tem sido através de estátuas e bustos a forma mais desejável de representar os seus maiores vultos (louve-se, ao menos, a inauguração recente do monumento a D. Diogo de Sousa, há longo tempo ansiado, embora tenha já sido criticado publicamente e, a meu ver com razão, pois pouco empolgamento aos olhos e menos calor aos corações traz a quem o admira); mas muito mais se afirma pela profusão de basílicas, igrejas e capelas – trinta e duas, se me não engano nas contas – existentes na sua área urbana.
Agora, não sendo demasiado prolixo o recurso à estatuária para representação dos maiores vultos de antanho que se ligam à sua história – mesmo não chegando os dedos de ambas as mãos para contar as estátuas e bustos – o que vê quem deambula por aí é o abandono a que está votada no que concerne à sua limpeza, asseio e manutenção; e põe-nos perante a evidência de que, apenas entregues estando à consignação e vulnerabilidade dos tempos, depressa são ignorados e menosprezados.
Amante do pedestrianismo e frequentemente me entregando ao prazer saudável e barato de flanar pela cidade em busca de espaços, paisagens e odores, há dias, numa dessas minhas deambulações, dei comigo frente à estátua do Papa Pio XII, no Largo da Senhora-A-Branca; e, então, me deparo atónito com os danos que o tempo tem causado na sua pública apresentação e a que não escapam os malefícios higiénicos de que é vítima pelo uso que a passarada vária lhe dá tendo ali miradoiro certo para gozo da paisagem envolvente e coreto apropriado ao deslaçar de seus concertos pipilares.
E dali saí com o firme propósito de, logo que possível, fazer uma incursão às estátuas e bustos que se espalham pela cidade, a fim de verificar o seu estado de conservação que, obviamente, não merecerá encómios; e, porque não, igualmente uma visitinha também a fontes, fontanárias e cruzeiros que os há de alto nível artístico pela cidade espalhados e esquecidos também devem estar, mesmo que necessitados se afirmem de uma abundante barrela.
Pois bem, não sei a quem compete zelar por estes marcos e nacos de História da nossa cidade, mas presumo que seja à Câmara Municipal através dos pelouros do Urbanismo e Património ou da Organização e Manutenção dos Espaços Públicos, se assim se chama; mas, claramente, penso não será pedir demais que estes Serviços mobilizem um ou dois olheiros capazes de localizarem as estátuas e bustos que necessitem de limpeza, para, de seguida, se fazer avançar a respetiva brigada da piaçaba e do detergente a fim de lhes repor o asseio e a dignidade públicos que reclamam e merecem.
Então, até de hoje a oito.
Autor: Dinis Salgado