Quem, seja para laurear a febra, seja para combater o colesterol ou a diabetes, flane pelas avenidas, ruas, praças, largos e becos da nossa cidade (dos Arcebispos, bimilenar, barroca e Augusta) sempre encontra situações côncavas e convexas que merecem vir à estampa como autênticos apanhados; e umas vezes hilariantes porque estapafúrdias, outras patéticas porque impróprias para consumo.
Vejamos pois:
Apanhado 1 – Apesar de ser uma das artérias da cidade mais poluídas, à rua do Raio ainda sobram motivos para bater o recorde de autêntico exemplar de imbróglio rodoviário; e isto devido à concentração de múltiplos serviços públicos, por exemplo, Hospital, Creche, Finanças, Conservatória do Registo Predial e alguns privados o que para uma rua tão estreita e acanhada é, como na gíria se diz, areia demais para a sua carruagem.
Vai daí, constantes são os arranjos, desarranjos e congeminações para tentar a quadratura do círculo; já que quem nasce torto tarde ou nunca se endireita, então, nos últimos tempos, um verdadeiro golpe de Aladino, mesmo sem lâmpada, não um coelho, mas um elefante foi tirado da cartola; e o resultado deste golpe de audácia foi dividir a rua, desde o início da Creche ao Largo João Penha, em três faixas recorrendo ao uso dos já famosos pilaretes: a da direita, para os TUB, a do meio para o trânsito e a da esquerda para cargas e descargas e estacionamento.
E, porque a coisa em termos de fluidez de trânsito tem ido preta, na área da Creche colocou-se no pavimento um corredor azul e longitudinal, encimado por um sinal de estacionamento com estes dizeres: reservado ao stop & go paragem máxima 1 mn dias úteis; só que numa primeira crítica não havia nexexidade em recorrer ao uso do estrangeirismo stop & go, sendo a nossa Língua tão prolixa e querida; mas que se lhe há de fazer, ou não sabem português ou querem dar uma de finesse.
Agora, é só esperar para ver no que vai dar este parto rodoviário; todavia cheira-me que, dadas as circunstâncias presentes, sempre será pior a emenda do que o soneto, até porque:
– A entrada no parque de estacionamento do Rechicho complica sobremaneira a fluidez do trânsito na faixa do meio;
– Entregar ou receber crianças e bebés nos berçários, creches ou infantários não é tarefa de stop & go por 1 minuto;
– A passagem dos TUB não é assim tão frequente e intensa que justifique uma faixa exclusiva, mormente quando os constrangimentos da rua são tantos;
– Depois enquanto não for acionado o parqueamento pago nesta e na rua 25 de Abril, ir aos serviços públicos e privados ali existentes será sempre uma enorme dor de cabeça. Assim, a meu ver, uma possível solução passaria pela colaboração interessada e frutuosa da Creche que tem alguns meios ao dispor e formas de colaborar na resolução da fluidez do trânsito que é o maior imbróglio da rua; por exemplo, a rua Damão pode ser uma alternativa a ter em conta para reorganizar a recolha e entrega das crianças, dividindo essa tarefa por faixa etária (as mais velhas pela rua Damão e as mais novas pela rua do Raio ou vice-versa); ou, como medida mais drástica e fraturante, deslocar parte da Creche, senão a totalidade, para outra zona da cidade.
Pois bem, haja bom senso e boa vontade por parte das entidades diretamente envolvidas no processo, porque, nas circunstâncias, todos serão sempre poucos para alcançar a solução possível e desejável; penso que a solução ultimamente encontrada não terá pernas nem braços para andar.
Apanhado 2 – No Largo da Senhora-A-Branca jaz uma geringonça, obviamente não a governamental, que questiona as mentes mais pensantes que por ali passam; e a coisa não é para menos, porque a abantesma se eleva horizontalmente muitos metros do chão ao telhado do prédio que faz esquina com a rua de Santa Margarida.
Presume-se que tal avejão seja, devido ao seu formato e equipamento, para transporte de materiais com vista à reabilitação do telhado ou algum apartamento do dito prédio; só que, dado o tempo em que ali já permanece, mentes mais visionárias visionam que a geringonça se preste, por ela acima trepando, à recolha da melhor selfie da cidade.
Pois bem, as ervas já vão crescendo debaixo e ao redor do abantesma, pois ninguém espere que os cavalos de Átila por ali passem e, muito menos, que um rebanho de ovídeos as venha tosar; todavia, para os turistas, mesmo de garrafão, que procuram o melhor retrato para mais tarde recordar, é um verdadeiro achado que, embora numa cidade bimilenar, não deixa de ser próprio do homem das cavernas.
A meu ver, já vai sendo tempo de desmantelar a geringonça e deste modo se prevenir algum flashe que dê a uma mente menos esclarecida que por aí passe e, num azar dos cabrais, trepe ao avejão e se estatele no solo; e depois, aqui-d’el-rei que a culpa morre solteira.
A não ser que a dita cuja esteja à espera das próximas festas sanjoaninas para que o último degrau da geringonça se transforme no melhor miradoiro, pago a peso de oiro, para dele se degustar o arraial de S. João da Ponte.
À boa maneira do Fernando Pessa: e esta heim?
Então, até de hoje a oito.
Autor: Dinis Salgado
Apanhados 1

DM
3 outubro 2018