“A morte não é a maior perda da vida. A maior perda é o que morre dentro de nós enquanto vivemos. (Norman Couisins, professor e jornalista americano 1915/1990)”.
Quando se chega a uma idade avançada, a perceção de a morte estar iminente é maior. É o limite da vida que, desde sempre, a natureza nos impõe. E a própria Igreja Católica não se cansa de nos alertar, enquanto fiéis, para o facto de nos prepararmos para essa inevitabilidade. Não só através do firme e sincero arrependimento de todos os pecados, como de mantermos a chama da fé acesa em Deus e na vida eterna. Uma fé que nos aliviará muito mais da angústia de deixar a vida do que qualquer terapia, curandice ideologia ou droga.
É, pois, de coração afeto ao nosso Criador e nos preceitos que a Sagrada Escritura – através do Velho e Novo Testamento cujos capítulos, versículos e evangelhos, nos relatam – que, como católicos, enfrentaremos melhor toda a fadiga mundana provocado por tudo aquilo que nos rodeia. Cansaço não só motivado pelas vagas de sofrimento humano, como pelo desgosto de vermos crescer tanto egoísmo, ódio, avareza, soberba e luxúria à nossa volta e pela passividade com que assistimos ao surgimento de determinadas filosofias ideológicas que vão corroendo a sociedade atual. Isto, enquanto são espezinhados, todos os dias, valores fundamentais importantes da vida.
O mundo está cada vez mais repleto de tentações do ‘demónio’ a que o saudoso padre Leo – protagonista de empolgantes homilias semanais – chamava de “encardido”, dizendo: “ele só está satisfeito quando nos vê, enquanto cristãos, a vacilarmos na nossa fé e convicção religiosa, anuindo aos encantos de tudo aquilo que ele propõe para que levemos uma vida de abundância, mas vazia de espiritualidade”.
Daí, o ‘mafarrico’ andar sempre a soprar ao ouvido da humanidade que deve viver com muito dinheiro e bens materiais, mormente tudo quanto seja o último grito de artefactos tecnológicos criados pelo homem. Não, sem – logo que possível – erguer um ou dois palacetes, devidamente automatizados, bem recheados, com toda a modernidade, máximo de conforto e piscina, se possível, em local bem aprazível; uma frota de carrões, topo de gama, na garagem. E para quê? Para depois da morte os herdeiros disputarem tudo entre si, quantas vezes em processos que acabam na Justiça e com todos desavindos. Enquanto ele se fica a rir como vencedor da luta que, entretanto, travara.
Ademais, ser-se leal a “satanás” não impede que se venha a ser transformado em pó, cinza e nada. E o que ficará após o ‘adeus’? - apenas umas simples ossadas, ou um lugar nas profundezas do Inferno ateado por ele e, se calhar, uma visita ao cemitério em dia de ‘Todos os Santos’ e no de ‘Finados’. Se bem que quem vive rodeado de ostentação, enquanto os semelhantes penam – ao seu lado – de pobreza e miséria, só fará com que se torne uma tortura quando tiver de deixar tudo quanto conquistara neste mundo. Esse, sim, será o momento crucial de sentir o quão iludido foi.
Com efeito, a velhice, quando se tem o privilégio de lá chegar, torna-nos mais sábios, serenos e resignados em aceitarmos o ‘seja o que Deus quiser e que a Sua vontade seja feita’. É que quando olhamos para as páginas de necrologia, sobretudo do Diário do Minho, quantas vezes comentamos: – “Olhem, este sujeito, da minha idade; esta donzela, tão jovem ainda; este cavalheiro de 90 anos e aquela senhora com 101 – ricos, ou pobres – já todos eles partiram”.
É, pois, conveniente estarmos preparados – de forma permanente – para o desfecho. Só que enquanto vivermos e ‘antes do adeus’, tal como nos narra a escritura hindu, “Bhagavad-Gita”: “é nosso dever fazermos valer os nossos talentos a favor da sociedade humana. Porque todo aquele que subjugou as suas paixões e que cumpre todos os deveres da vida com as suas faculdades ativas é um ser respeitável”. Só assim haveremos cumprido, exemplarmente, a nossa missão de ônticos humanos na terra.
Autor: Narciso Mendes
Antes e depois do “adeus”

DM
1 novembro 2021