É já amanhã que a Assembleia da República vai realizar o debate sobre o Estado da Nação, estando agendado o último plenário da atual legislatura para o dia 24 deste mês.
Uma legislatura “sui generis” na história da democracia portuguesa, não só porque pela primeira vez não ter governado quem ganhou as eleições, mas também pelo facto de a maioria que durante quatro anos sustentou o governo ser constituída pelo Partido Socialista (PS) e pelas formações políticas à sua esquerda, nomeadamente o Bloco de Esquerda (BE) e o Partido Comunista (PCP), o que nunca tinha acontecido.
Avaliar a ação deste governo e fazer o balanço do seu desempenho ao longo da legislatura, terá leituras bem diferentes de acordo com a ideologia, a visão e os interesses dos diversos intervenientes.
Para o PS é certamente gratificante ver chegar ao fim uma experiência inovadora que, na sua ótica, permitiu reverter a política de austeridade e repor alguns direitos. Para os partidos à sua esquerda, uma oportunidade para afirmarem que foi graças ao seu apoio que puderam ser viabilizados alguns avanços sociais mas que, caso tivessem maior poder, teria sido possível ir muito mais além.
No que concerne às formações da oposição, quer o Partido Social-democrata (PSD), quer o Centro Democrático Social/Partido Popular (CDS/PP) fazem uma leitura bem diferente. Se o primeiro realça a falta de qualquer reforma estrutural, o desinvestimento público e o consequente agravamento da situação em importantes serviços essenciais, referindo-se mesmo a uma ausência de governação, o segundo enfatiza a ilusão do fim da austeridade decretada pelo governo, enumerando os cada vez mais graves problemas surgidos em áreas sensíveis como a saúde, a educação e os transportes.
Quanto ao Partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN), que na generalidade se colocou sempre ao lado do governo, pela voz do seu deputado, André Silva, considera a experiência positiva para a maturação do sistema democrático e destaca a sua atuação por ter contribuído para trazer à discussão novas matérias.
A cerca de três meses de novas Eleições Legislativas, que dirão os portugueses da atividade do governo e do Estado da Nação?
A estabilidade política conseguida ao longo de quatro anos será seguramente eleita como a maior surpresa e a melhor constatação.
No entanto, apesar de cada português poder pensar que tem mais algum dinheiro no fim de cada mês, fazendo bem as contas e olhando para o aumento dos impostos e de alguns bens como os combustíveis, logo chegará à conclusão que é pura ilusão e esse pecúlio a mais não passa de triste desengano.
Em relação aos serviços públicos, ninguém deixará de apontar uma certa degradação de diversas áreas fundamentais. Os problemas vindos a público no Serviço Nacional de Saúde, nos transportes, nomeadamente na ferrovia e na travessia do Tejo, em muitas escolas, onde faltam condições aceitáveis para o seu bom funcionamento e noutros setores da administração pública não provocam grande satisfação e, obviamente, são geradoras de alguma apreensão.
Num breve balanço, se o valor da estabilidade política foi um bem que ninguém questiona, a pressa de tudo reverter e de pretensamente levar o povo a acreditar que a austeridade acabaria por decreto, conduziu o governo a tomar medidas que, apesar do tempo já passado, continuarão a condicionar muito do nosso futuro. A passagem abrupta para as 35 horas de trabalho para a maioria dos funcionários públicos e a criação de expectativas muito elevadas a diversas classes profissionais são disso bons exemplos e, sem dúvida, erros irreleváveis.
O reverso dessa atuação não se fez esperar. Ao longo da legislatura assistimos a um aumento da conflitualidade social, já não visto há muito tempo. Ao contrário do que seria expectável, tendo em consideração que os partidos que apoiam o governo controlam em larga medida a maioria dos sindicatos, temos observado surtos grevistas por longos períodos de tempo que paralisam importantes setores de atividade do país.
Enfim, se a legislatura teve o condão de chegar ao fim, a ação governativa ao longo dos últimos quatro anos pecou por excesso de confiança, pela criação de esperanças pouco realistas e, principalmente, por não trazer para a agenda as reformas estruturantes que o país necessita para melhor enfrentar os desafios do amanhã.
Para melhor avaliação, esperemos pelo veredito dos portugueses no próximo dia 6 de outubro.
DESTAQUE
Se a legislatura teve o condão de chegar ao fim, a ação governativa ao longo dos últimos quatro anos pecou por excesso de confiança, pela criação de esperanças pouco realistas e, principalmente, por não trazer para a agenda as reformas estruturantes que o país necessita para melhor enfrentar os desafios do amanhã.
Autor: J. M. Gonçalves de Oliveira