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Andar na linha

Ao contrário do que o título do artigo possa eventualmente sugerir, não vou falar de comportamento, nem prescrever normas de etiqueta a ninguém. A linha que me prende a atenção é a de Sines a Madrid. Andar na linha já não vai ser como d’antes. Era ‘lastimável’, diz um jornalista do Público, que ousou andar na linha, na véspera do evento que reuniu no passado 15 de janeiro de 2018, o Primeiro-Ministro de Portugal, António Costa, e o seu homólogo espanhol, Mariano Rajoy. Viajando a 40 Km/hora, de Elvas a Badajoz, o jornalista queixa-se (e bem) da linha arcaica que dificulta a circulação transfronteiriça.

Ora, o evento de 15 de janeiro, devolve a alegria àqueles que gostam de andar na linha, embora a linha não os deixe andar à velocidade a que desejariam. Mais vale tarde que nunca, diz o ditado, já que do encontro de Costa com Rajoy, resultou a assinatura da consignação dos trabalhos de modernização dos 11 Km que ligam Elvas à fronteira do Caia, obra que deveria ter sido concluída até dezembro de 2017.

São poucos quilómetros, é certo, mas estratégicos para Portugal, Espanha e, em sentido lato, para a própria União Europeia, na medida em que este troço é visto como o missing link, que integra o corredor internacional sul, suscetível de ligar o porto de Sines à fronteira com Espanha, a partir de onde prosseguirá outras rotas.

Na cerimónia de conetividade, marcou presença a comissária europeia dos Transportes, Violeta Bulc, que muito contribuiu financeira e diplomaticamente para pôr na linha os políticos dos dois Estados ibéricos. Os fundos europeus pagam aproximadamente metade dos 509 milhões de euros que custa a construção dos cerca de 100 Km de carris entre Évora e Elvas.

É preciso esclarecer aos que não costumam andar na linha, que os comboios que ligam atualmente Sines a Badajoz não têm outra alternativa logística ferroviária que não seja a de subir até Vendas Novas e Entroncamento e descer, posteriormente, por Abrantes e Portalegre até Badajoz. Contudo, a edificação do corredor ferroviário entre os portos de Sines-Setúbal-Lisboa até à fronteira de Caia-Badajoz, tenderá a reduzir a distância percorrida em 140 Km, assim como o tempo despendido, em cerca de 3h-4h (face às atuais 8h).

Ao eliminar em 30% o custo do transporte, os ganhos de competitividade serão promissores para a economia, tanto mais que a futura linha Évora-Elvas-Badajoz tenderá a permitir a circulação de 12 comboios por dia, o que significa menos 660 camiões nas estradas nacionais.

Por que poderá Sines vir a beneficiar consideravelmente da reestruturação da dita ferrovia? Uma das razões tem que ver com o congestionamento dos portos da Europa setentrional, situação que pode ser combatida por meio da exploração de outras portas de entrada, por via marítima, na Europa.

O porto do Pireu, na Grécia, é já um hub notável na Rota da Seda marítima chinesa, proporcionando aos navios porta-contentores chineses – em rota entre o Índico e o Mediterrâneo – um posicionamento ímpar no Mare Nostrum. A grande mais-valia de Sines, que figura entre os principais portos europeus, é a sua geografia.

Embora não possua aquilo a que se chama um hinterland (zona de impacto económico em terra) como Roterdão, Sines dispõe de outras caraterísticas suscetíveis de o tornar apetecível face a portos competidores, localizados, por exemplo, no norte de África.

Em Sines, os produtos chineses (que chegam por mar) podem ser processados e concluídos em solo português (e, portanto, com rótulo europeu), como expliquei no meu artigo anterior.

Por outro lado, a reestruturação de parte da ferrovia nacional permitirá, a médio prazo, integrar a linha férrea Sines-Badajoz nos carris que conduzem a Madrid, a partir de onde, as mercadorias poderão depois seguir viagem através da ferrovia já existente Madrid-Yiwu.

Esta última é a linha férrea mais longa do mundo (superando o transiberiano) e que, desde finais de 2014, liga a capital espanhola ao leste da China. A geografia de Sines, enquanto porta atlântica da Europa confere-lhe vantagens face aos portos da vizinha Espanha. Na prática, Sines é o porto europeu de águas profundas geograficamente mais próximo do canal de Panamá, ao mesmo tempo que se situa na convergência das grandes rotas marítimas.

Em jeito de conclusão, a expansão do Canal do Panamá vem contribuir para uma reconfiguração das grandes linhas marítimas internacionais, com o consequente impacto positivo para Sines, zona de confluência entre Terra e Mar, entre Oriente e Ocidente.

Cabe, porém, aos governantes portugueses identificar mais-valias, além da geografia, que levem determinado armador a escolher Sines ou a preteri-lo face a outros portos vizinhos.

Andar na linha é importante, certamente, quer ao nível terrestre, quer marítimo, onde Portugal tem tudo fazer convergir ferrovias e portos marítimos. Mas é preciso também estar em linha, ou seja, ter a sensibilidade e maturidade para adaptar a oferta à procura, auscultando o mercado, e inovando face às propostas competidoras.

O tempo está a nosso favor, mas a inércia pode ser nociva.


Autor: Paulo Duarte
DM

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24 março 2018