Procurava chegar-se a um acordo – o que não era habitualmente difícil –, embora nem sempre pudesse dar toda a razão ao progenitor, porque poderia haver circunstâncias pontuais, do seu desconhecimento, que atenuassem ou até anulassem os motivos da sua argumentação.
Havia, porém, uma situação completamente diversa, sempre que me era exigido sancionar algum aluno, por manifesto mau comportamento, no desempenho do meu cargo de chefia,. Certamente que falava com ele, explicava-lhe os motivos da acção disciplinar, tentava manifestar-lhe o meu desagrado por ter de tomar essa decisão, etc. E, inevitavelmente, recordava-me das recomendações e dos conselhos mais ou menos calmos, ou mais ou menos abespinhados, que experimentara como aluno e adolescente numa escola semelhante in illo tempore...
Antes de concretizar a medida “punitiva”, ou, se preferirmos, educativa, pedagógica, ou como lhe queiramos chamar, acontecia o inevitável... No gabinete de direcção, batiam à porta levemente, delicadamente. Só mãos femininas podiam produzir toques tão suaves. “Entre, se faz favor...” E, perante a minha surpresa, surgia, sorridente, pressurosa, amabilíssima, a mãe do aluno em questão.
Começava por pedir desculpa. Há muito tempo que não vinha à escola. Devia aparecer mais vezes, mas – o que quer? –, a vida, o trabalho, o dia-a-dia, as trapalhadas, enfim, compreendia? E acrescentava: “Estou desculpada...?” Não era preciso dizer o que quer que fosse… “Para bom entendedor”, costuma dizer-se. E sem esperar pela minha resposta. “O Zé (ou seja, o seu filho) anda impossível de se aturar. Está na idade parvalhona e não há quem tenha paciência com ele. Veja lá, que há uns dias, lhe espetei um bofetão – detesto fazer isto, mas que havemos de fazer? –, por me ter dado uma resposta inaceitável...” Olhou para mim, procurando adivinhar se estava de acordo com tais métodos. E não divisando qualquer desaprovação, mudou de rumo, passando ao ataque...
“O Zé, nem calcula, é muito generoso! É um amor. E...” Desenvolveu a favor do rapaz uma série tão grande de virtudes e de boas acções que, a partir de certo momento, comecei a pensar seriamente se estávamos a falar da mesma pessoa... Sim, desse estafermo desalmado, que tinha feito na escola isto, aquilo e aqueloutro, que foi posto fora de duas aulas, que conseguiu sonegar o enunciado do teste de matemática da sala de professores, tentando depois fugir por uma janela, etc., etc., etc. Rendi-me à evidência: O Zé “ estafermo desalmado” era o Zé “muito generoso”, “um amor” para aquela mãe...
Tudo isto se passou nas vésperas das férias da Páscoa, tempo de Quaresma. Veio-me à memória a leitura da Paixão do Senhor segundo S,. João, em que Jesus, na Cruz, pede a Maria Santíssima para adoptar, a partir daquele momento, esse jovem apóstolo como seu filho e, extensivamente, assumir a maternidade de todos os homens.
E dei comigo a imaginar que, no Céu, Nossa Senhora, embora Cristo não precisasse dos seus rogos para ser infinitamente misericordioso, falava com frequência bem de nós, apesar das nossas fragilidades, das nossas infidelidades, pedindo-Lhe um pouco mais de paciência, prometendo rezar intensamente por aquele seu filho que deu uma “ respostas inaceitável”, já que, apesar de tudo, era “muito generoso”, numa palavra, “um amor”... E acrescentava: “Jesus, foste Tu, no Calvário, que me pediste para ser sua Mãe. Por isso, gosto tanto dele! Sou Mãe... Vê lá o que podes fazer...“
Autor: Pe. Rui Rosas da Silva