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Amem menos mas melhor

São horas de deixar sair os que estão nos lares, ainda confinados e sem quaisquer sintomas desde o início da pandemia. Há três meses que eles não vem à rua. Não são apenas estatística, são pessoas que tem mais vida para além da vida que tem nos lares onde, parece que o excesso de prudência, está a constituir-se num excesso de zelo. Alguns começam a entorpecer, caminham a custo nos espaços do quarto em que os enclausuraram, olham com receio a rua que ouvem estrugir pela janela das gelosias, apuram os sentidos para sentirem a vida que já foi sua. As visitas marcadas, a tempo de cronómetro, são pinga em boca sequiosa. Entre chegar e dizer adeus é um adejar de asa que não dá para matar saudades. Os senhores da segurança social, os presidentes dos lares e instituições similares, a direção-geral da saúde e respetivo ministro (a),podem estar, com o rigor deste isolamento, a criar uma depressão com repercussões incalculáveis e danos psicológicos que podem tender para a neurastenia. Eu sei que os responsáveis procedem assim para os preservar. Mas o exagero pode transformar-se em irresponsabilidade. Como a moeda, estas coisas tem o seu verso e o seu anverso. Mas as pessoas à vossa responsabilidade necessitam do ar lá de fora, para voltar a sentir que ainda estão vivas. Correm-se riscos numa abertura deste género? Julgo que algum risco se correrá mas a vida encapuçada pelo medo, é uma “cadeia”, com tendência a tornar-se num hospício. Creiam que os velhos precisam tanto dos ares lá de fora, como os novos necessitam de folguedos. Todos vamos livremente à farmácia, à cabeleireira, à loja, ao dentista, na verdade a toda a parte, somos livres para deambular; as praias estão abertas, as fronteiras abrem-se por toda a parte, as pessoas passeiam-se nas ruas sem limites, por que razão põem tantos limites aos alarados? Porque são velhos e pessoas de risco? Claro que são fonte de cuidados e vigilância mais estreitos, mas não podem continuar em “prisão preventiva”. O seu quarto de dormir não pode ser, simultaneamente, lugar de repouso, refeitório e sala de estar; uma vida a quatro paredes é uma clausura de emparedados. Perder o contacto com os outros é ganhar a solidão, já de si potenciada pela idade e pelo esquecimento de amigos e familiares. Viver de mais não pode virar castigo. Viver submerso em restrições e proibições, “é escutar horas a fio sem nada ouvir”, como disse Franz Kafka. Este rigor ortodoxo, até poderia ter feito sentido há tempos, mas agora, sinceramente, parece-me um enorme exagero, parece-me que são horas de partir as grilhetas da prudência. Se é amor pelos velhos, então, amem menos mas melhor. Há que repensar, há que apelar a uma abertura cuidadosa ao exterior, há que talvez pensar num voluntariado para acompanhantes, há que retomar a diversão interna, há que reativar o ginásio, há que testar, há que sentir que os velhos querem a vida lá de fora. Pássaro velho já pouco voa, se não exercitar as asas deixará de voar. Segundo um estudo apresentado por duas investigadoras norte-americanas, “sentir-se próximo de outras pessoas promove o bem-estar e sentir-se desligadas delas pode comprometer a saúde mental e física”. (Observador, on-line, 17/06/20)
Autor: Paulo Fafe
DM

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22 junho 2020