Ao terminar o artigo anterior, interrogávamo-nos: "Mas aquem pertence a Amazónia? Aos 9 países da América Latina (em cujos territórios se estende essa imensa floresta virgem)? Ao Brasil, que abriga 60% dela? Ou ao planeta, cujo horizonte ambiental depende da sua preservação? (...) Um editorial do diário francês Le Monde intitulava-se: “Amazónia, bem comum universal”".
1. Thomas E. Lovejoy, de 77 anos –cunhou a expressão “diversidade biológica” eé um dos mais famosos ecologistas do mundo –, sustém: "o que é relevante para a Amazónia é relevante para o mundo". Numa interessante reportagem do Público(25 de Agosto) – “Na selva com o biólogo que provou porque devemos salvar a Amazónia”– o americano Lovejov afirma que "preservar e restaurar a natureza é a melhor solução para as alterações climáticas", ele que há 40 anos investiga esse espaço geográfico – o seu “laboratório experimental” –,e que incentivou a participação de centenas de investigadores e de instituições (mais de 700 projectos de pesquisa e 200 dissertações).
De facto, cerca de 20% de todo o oxigénio do mundo é produzido pela floresta tropical, que também armazena 80 mil milhões de toneladas de dióxido de carbono – tanto quanto a humanidade produz numa década.
2. Lemos há dias as palavras assertivas do professor jubilado da Universidade de Coimbra, Jorge Paiva, de 85 anos, membro do Conselho de Ética da Universidade do Minho, que já visitou várias vezes a Amazónia em missões científicas, alertando para os perigos da destruição florestal, com "as pessoas a quererem respirar e a não terem oxigénio". Para o emérito biólogo, "estamos a destruir as maiores fábricas de oxigénio do globo. E, além disso, estamos a destruir os seres vivos que mais absorvem CO2 da atmosfera".
Como recordou, na Amazónia e noutras florestas tropicais, "como há muita luz e muita água, as árvores são enormes". "Chegam a ter 120 metros e quase 5.000 toneladas. Ora, uma árvore destas produz mais oxigénio do que todas as árvores do Gerês num ano", exemplificou. Por isso não deixa de recordar que o homem "é provavelmente o animal mais perigoso que já viveu neste planeta".
3. Sem dúvida, a Amazónia é fonte de oxigénio, água e biodiversidade, da qual todo o planeta depende! E, caso a Amazónia fosse totalmente destruída, o sul do Brasil e o norte da Argentina e Uruguai transformar-se-iam num deserto; daí a vital importância desse bioma multinacional.
Stephen Walt, professor de Relações Internacionais na Universidade de Harvard, defendeu na Foreign Policy:se a Amazónia é de interesse global e a sua destruição tem efeitos para além das fronteiras do país, a analogia parece servir: assim como o direito internacional reconhece a legitimidade do uso da força para salvar povos em extermínio, similarmente o faria para recuperar um bem que é de interesse da humanidade – o meio ambiente. E Waltnão desconhece o que descreve como “paradoxo cruel”: os países que mais ameaçam o meio ambiente são também grandes potências nucleares ou económicas – China, Estados Unidos, Índia, Japão e Rússia.
4. A questão é que os custos são elevados para conservar a floresta, e, portanto, são necessários meios financeiros avultados. O ambientalista suíço, Bertrand Piccard, disse à Folhade S. Paulo: "O mundo é interdependente. Não se pode falar em questão nacional quando as consequências são claramente internacionais". E conclui: "Visto que a Amazónia é um bem da humanidade, é natural que ela, a humanidade, pague por isso. Esses recursos ajudariam a criar empregos no Brasil e seriam uma retribuição justa ao país pelos serviços prestados na preservação da floresta".
O “Fundo Amazónia” existe para isso... O Acordo de Paris prevê que os países desenvolvidos colaborem, a partir de 2020, com 100.000 milhões de dólares por ano. Ora, quem contribui tem também uma palavra a dizer; por isso, países que já cooperam, anunciaram o fim das doações. A ameaça de suspensão do Acordo entre Mercosul e a União Europeia – uma parceria com vantagens e obrigações mútuas, entre as quais as ambientais– fizeram o governo brasileiro arrepiar caminho!
5. Ninguém pode considerar só seu o que é um Bem da humanidade. O Brasil possui obviamente a administração da sua parte (67%), e fá-lo de forma deletéria: as árvores da Amazónia estão caindo e líderes indígenassão mortos.A irresponsabilidade de Bolsonaro é tal que juristas mundiais pensam acusá-lo deecocídio(crime reconhecido pela ONU, 2006). Entretanto, alguns países querem pôr fim à importação de carne brasileira.Greenpeace(ONG) já apelou a que a comunidade internacional boicote produtos brasileiros provenientes de áreas desflorestadas.
Urge reflectir como conjugar os direitos dos países administrarem os seus territórios, com os deveres que também devem assumir com a sustentabilidade do Planeta. O tempo das nações está passando: agora é o tempo da Terra – o nosso maior bem comum.
O autor não segue o nefasto e impropriamente denominado acordo ortográfico.
Autor: Acílio Estanqueiro Rocha