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Ajustamentos nº 293: Os perniciosos ídolos

Após ter focado, num artigo anterior, com toda a alegria, boa disposição e entusiasmo, ao apertar a mim a convicção de que todas as nossas estruturas bio psíquicas podem ou não enterrar as opiniões no mausoléu da certeza dignificante e artisticamente trabalhada (com dialética), passei a afirmar, com a crista levantada, sem o intuito de magoar o intelecto e a emoção de ninguém, que a fonte e a sede dos “Dez Mandamentos da Lei de Deus”, cacareja, de manhã cedo, na ôntica e transcendental natureza humana.

Com a atenção, um pouco leviana e passageira, caí em mim, ao falar com as nossas íntimas estruturas, que elas, nas mãos da pessoa, mestra em relacionamentos, podem ter a arrogância de serem senhoras de, no meio ambiente, imporem, indevidamente, a autonomia e liberdade.

A este rol de personagens e à gama de consequências que virão a seguir, e a tudo o que com ele se relaciona, com o propósito de substituir, dominar e humilhar a transcendentalidade do ôntico ser humano, vou dar o nome de ídolos. Para nós, homens na sua plenitude, o grande ídolo é o Eu, gerador de desequilíbrios psíquicos, com todas as consequências, mais uma, de uma antropologia devastadora, acolitada pelas neuroses obsessivas, alterações dos maquinismos neurobiológicos e de todas as mórbidas consequências psíquicas, físicas e existenciais, segundo afirmam os psicoterapeutas. À sua volta, à volta do Eu, e com ele relacionadas, gravitam a submissão das pessoas ao dinheiro, ao poder, à sexualidade; a submissão ao álcool, fumo, drogas, prazer… À sua volta, à volta do Eu, rodopiam, de uma forma muito específica, artistas, políticos, homens de sucesso, eclesiásticos e tantos outros.

Mas falar de teoria na ausência da sua consequente prática é como tirar o estimulante espírito ao vinho verde de Amarante, que sobe, em lágrimas, pelas brancas abas da malga a motivar o paladar de quem está a beber e a apreciar. Vou concretizar, então, com factos, referindo Sócrates, Platão, Freud, Feuerbach.

Sócrates dirige-se a Platão e diz-lhe: “Escreve o que te digo. O que te vou dizer, para escreveres, é que deves acompanhar a tua mente para onde quer que ela te leve.” Como vemos, Sócrates deslocou, desajustada e forçadamente, a autonomia, a liberdade e a responsabilidade do ser ôntico humano, para a mente (instrumento do pensamento), por ignorância injustificada.

S. Freud joga com a emoção gozosa do azedo prazer sexual entre um pai, que ama sexualmente a sua esposa, e o filho que, com repúdio do pai, ama com prazer sexual a sua mãe. O pai reage com admoestações e castigos ao filho. Estes castigos e admoestações são projetados indevidamente em Deus-Pai, tido assim por conflituoso e castigador. Freud não foi capaz de superar o prazer sexual no ser transcendental, porque ignorava a abertura da transcendentalidade da ôntica natureza humana e aquilo que ela tem de relacional e de uno com todo o meio ambiente.

Feuerbach, filósofo racionalista, aparenta um desconhecimento inaceitável da profunda essência do ser da ôntica natureza humana naquilo que ela tem de transcendental, de uno e relacional, propriedades inerentes aos imperativos com o Transcendente (Deus). Há, no filósofo, apenas, creio eu, consciência e amor existenciais profundos; é um antropólogo, mas está fechado ao ser transcendental e, portanto, também a Deus, ser Transcendente. Feuerbach defendeu a religião cristã como uma projeção dos homens alienados da própria essência humana. Pela culta mão de Hans Kung, relato a história da sua filosofia: “o seu objetivo confessado era transformar os homens para que, de teólogos, passassem a filósofos; de teófilos (amantes de Deus) passassem a filantropos; de candidatos ao além, passassem a cidadãos livres e conscientes da terra”.

Os exemplos focados mostram o papel pernicioso de estes e outros “ídolos” que apunhalaram a ôntica natureza do seu ser e entraram em descomunal competição com Deus, substituindo-O.


Autor: Benjamim Araújo
DM

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3 janeiro 2018