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Ainda no rescaldo das Eleições Legislativas

As eleições que decorreram no passado dia 6 do corrente mês de outubro para a Assembleia da República, apesar das múltiplas análises e opiniões já ouvidas e publicadas, pelas consequências que podem ter no nosso futuro coletivo continuam a merecer uma reflexão cuidada e atenta.

A grande abstenção existente neste ato eleitoral é a primeira grande conclusão e a maior preocupação expressa em todos os comentários. De facto, com um valor recorde de 45,5% que ainda pode aumentar quando os resultados da emigração forem conhecidos, é um fenómeno que deve preocupar todo o cidadão e não pode deixar de inquietar todos os responsáveis políticos.

Abstenção que tem variadas causas, mas as mais significativas serão seguramente o crescente distanciamento dos eleitores dos diferentes agentes políticos, a deficiente formação cívica das gerações mais jovens e, sobretudo, o comodismo de largas franjas da população que dão como adquirida e imbuída de perenidade a democracia em que vivemos.

O progressivo afastamento e o desinteresse de boa parte da população da política poderão ter raízes não só nos mais mediáticos casos de corrupção, mas também por um certo fechamento das diversas estruturas partidárias em si próprias, que inibem e dificultam a interação com a sociedade.

No que concerne à deficiente formação cívica das gerações mais jovens, não deixa de ser confrangedor o desinteresse e, principalmente, a ignorância revelada por largas camadas de juventude, incluindo muitos estudantes do ensino superior, sobre temas de índole política como a história do século XX, as diferentes ideologias e modelos de regime.

É, naturalmente, na sequência deste desapego e de muito desconhecimento que fermenta o egoísmo que leva muita gente a alhear-se da participação cívica considerando irreversível o regime democrático que temos.

Oxalá que assim seja!

A crescente abstenção, a emergência de populismos de diferentes matizes e a situação mundial não auguram um futuro otimista e tranquilizador. A juntar a tudo isto, a composição do nosso próximo parlamento, apesar da vitória inequívoca do Partido Socialista, deixa antever uma panóplia de constrangimentos que nem a incontestada habilidade política do primeiro-ministro em exercício e já novamente indigitado, Dr. António Costa, pode serenar.

Se por um lado a ascensão de novas forças partidárias com representação parlamentar como o Livre, a Iniciativa Liberal ou o Chega podem revelar novas opções e um enriquecimento do debate político, por outro podem no futuro próximo complicar a formação de maiorias e, mais do que isso, dificultar o renascimento da direita profundamente abalada pelos resultados eleitorais do passado dia 6 de outubro.

Na realidade, quer o CDS, quer mesmo o PSD necessitam de uma profunda catarse para se reerguerem e poderem voltar a constituir uma verdadeira alternativa de governo. O CDS numa verdadeira batalha de sobrevivência pela relevância e o PSD numa genuína purificação identitária no sentido de um posicionamento inequívoco no espetro político português. Não o fazer e manter o ziguezague de ora aproximação, ora afastamento do Partido Socialista não só confunde os eleitores como também, em última análise, pode conduzir à “mexicanização” do regime com todas as consequências que tal comportamento poderia trazer à nossa democracia.

Quanto ao próximo governo, agora liberto das amarras dos partidos mais à sua esquerda, terá sem dúvida mais autonomia. Contudo, ao ter de negociar maiorias, ora com uns, ora com outros, a par da quase certa maior contestação social patrocinada pelos seus despeitados parceiros da última legislatura, com uma conjuntura económica menos favorável e com as inúmeras incertezas no horizonte no plano internacional, por certo, não terá vida fácil.

Neste cenário de tão grandes e profundas inquietações, impõe-se tirar as devidas lições do último ato eleitoral e não deixar de tentar corrigir os manifestos erros que impedem uma maior participação democrática. Atempadamente e não apenas enumerá-las no rescaldo de mais umas eleições, é urgente tomar medidas que livremente impeçam o afunilamento do regime, ou pior ainda, que alguém em algum momento o possa pôr em causa.


Autor: J. M. Gonçalves de Oliveira
DM

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15 outubro 2019