A falta de escolarização tem levado a manter-se esta lacuna numa parte significativa da nossa população, abrangendo sobretudo pessoas idosas e que vivem nas regiões do interior do país… mas incluindo ainda mais de trinta mil entre os dezoito e os sessenta e cinco anos, mesmo em zonas urbanas de franja.
Quando se fala deste tema da escolarização logo vem à liça a penumbra obscurantista anterior à revolução de abril de 74, reportando-se a esse tempo cerca de 25% das pessoas que não sabiam ler nem escrever, enquanto hoje serão cinco por cento dos não-alfabetizados…
É bom ainda recordar a opção da telescola que se difundiu, em Portugal, a partir de 1965… e até 2004, sendo um recurso de acesso ao ensino básico mediatizado. Quanta gente aprendeu e se formou com base neste sistema televisivo, ganhando – como agora se diz – novas ferramentas para a sua valorização pessoal e social.
Apesar do retrocesso (ao que parece) crescente da taxa de analfabetismo, que razões continuam a existir para que sejamos ainda dos países da Europa com mais gente que não sabe ler nem escrever? Que há – ou pode haver – de estrutural para que não consigamos anular este défice social e cultural? Depois dalgumas campanhas em ordem à valorização da população mais desfavorecida em termos culturais, que razões se mantêm para que haja tanta resistência à melhor das heranças, que é isso de saber ler e escrever, pensar pela sua cabeça, ter opinião devidamente fundamentada?
Vejamos, um tanto brevemente, estes aspetos agora enunciados:
* Saber ler e escrever – De facto, é um grande valor ser capaz de pegar num livro ou num jornal, num panfleto ou numa mensagem e entender o que ali está escrito… seja qual for a língua. Com efeito, esta forma tão simples de comunicação – ler e escrever – tem todo o valor do mundo, quando se está com os outros. Não entender o que se diz nem o que nos querem dizer condiciona a nossa vida, em qualquer parte do mundo.
Nunca seremos agradecidos quanto baste por termos tido quem nos ensinou a ler e a escrever, mesmo na diversidade das línguas aprendidas… Esta é a melhor fortuna que os pais podem deixar aos seus vindouros: as armas de defesa e de condução na vida… presente e futura.
* Pensar pela sua cabeça – Efetivamente ter capacidade para pensar e organizar as suas ideias é algo muito essencial num tempo e num mundo onde a manipulação ganha prioridade sobre os mais incautos e indefesos… mesmo que saibam ler e escrever. A escolarização pode potenciar esta faculdade humana, mas ter capacidade de pensar, de forma organizada, segundo critérios e tendo em conta os valores, é algo que precisa de ser educado em toda a nossa vida. Precisamos de dar mais atenção, em todas as fases da nossa vida, ao exercício do pensamento, adequando as nossas possibilidades e exigindo a nós mesmos a adaptação a novas situações… A inteligência também se cuida como o resto do nosso corpo, alma e espírito!
* Ter opinião devidamente formulada e fundamentada – Nesta época do “copy-paste” e de alguma futilidade do “faz de conta”, torna-se essencial que tenhamos opinião própria, fundamentada sobre critérios e valores – no nosso caso, reputamo-los de cristãos – que nos fazem viver como se pensa e não pensar meramente como se vive… Já nos primórdios do cristianismo se referia para ser capazes de explicar as razões da nossa esperança, isto é, de termos argumentos, ideias e objetivos que sejam exequíveis e não simplesmente regidos pelo “sim, porque sim” ou o “não, porque não|”… Quanta gente precisa de saber porque vota em determinado partido e não pela inócua razão de que confia no candidato… muito simpático e popular.
Depois de tentarmos fazer este percurso sobre algumas das possíveis razões (ainda) do nosso analfabetismo, precisamos, com urgência, de irmos formando círculos de reflexão onde se vá reconfigurando a matriz comunitária – que é muito mais do que essa do coletivo – do ser cristão, dando e recebendo, aprendendo e ensinando, partilhando e convivendo… na simplicidade e na alegria.
Autor: A. Sílvio Couto