Com a realização das Eleições Autárquicas no último domingo, o que alterou profundamente o xadrez do poder local no país, iniciou-se um novo ciclo na política portuguesa.
A reter como maior desassossego deste ato eleitoral fica, sem dúvida, a elevada abstenção que se verificou, espelhando o divórcio em crescendo entre a sociedade e os políticos.
Depois desta óbvia constatação estão as grandes surpresas. As mudanças ocorridas em Coimbra, na Figueira da Foz e sobretudo em Lisboa mostram que em política não há certezas e que num curto espaço de tempo tudo pode mudar.
Outro dado a realçar é sem dúvida a debilidade das sondagens que foram dadas à estampa em diversos momentos da campanha eleitoral. Não me lembro de ver algum estudo de opinião que desse a possibilidade da coligação liderada por Carlos Moedas, na capital, sair vencedora. Do mesmo modo, há outros municípios onde os resultados estão bem longe dos vaticinados pelas diferentes sondagens.
Não podendo confundir a finalidade destas eleições – escolher os orgãos do poder local – é evidente que pela importância das alterações de poder verificadas não se pode deixar de fazer uma leitura nacional e perspetivar o futuro próximo.
O primeiro-ministro, António Costa, ao envolver-se nesta eleição, como o fez, não deixa de sair fragilizado. Ao utilizar o dinheiro do Plano de Recuperação e Resiliência como se fosse seu para atrair mais votantes para as hostes do Partido Socialista, cometeu um erro. Do mesmo modo, ao dar uma dimensão nacional a este sufrágio expôs-se a si próprio e ao seu governo à leitura mais ampla que se pode fazer das Eleições Autárquicas, sem esquecer alguns episódios da governação que, certamente, pesaram nas escolhas do eleitorado e de que é exemplo paradigmático a permanência de Eduardo Cabrita à frente do ministério da Administração Interna.
Por todas estas razões, julgo que a vida do atual Governo será mais escrutinada, terá uma oposição mais acutilante e um grau de exigência maior dos seus parceiros da extrema-esquerda. Sem rodeios, poder-se-á dizer que o que resta da atual legislatura será bem mais complexo e difícil de gerir, não se podendo descartar a sua interrupção abrupta.
Interrupção repentina que está nas mãos do Partido Comunista Português (PCP) que, à semelhança do que já vinha a acontecer, não alcançou os objetivos a que se propôs e vê o seu caminho pejado de abrolhos para se manter como formação partidária de grande implantação. PCP, que fruto do apoio velado ou expresso ao governo se vê confrontado com numerosas interrogações e vicissitudes que o poderão fazer mudar de rumo.
No desfecho desta breve análise, há conclusões que não posso deixar de tirar e que enuncio.
A primeira diz respeito à necessidade de os partidos e de toda a sociedade se debruçarem sem demora sobre o fenómeno da abstenção. Haja coragem para o fazer e, em última instância, avance-se para o voto obrigatório.
A segunda é a constatação que António Costa e o seu governo saem fragilizados desta contenda eleitoral, pela altivez e soberba demonstradas ao longo da campanha e por alguma teimosia ao não agir em tempo adequado a alguns episódios insólitos da governação.
A terceira, embora pouco provável, diz respeito à possibilidade de uma crise política acontecer por força das alterações produzidas no panorama partidário nacional.
Por último, o ressurgimento de uma alternativa de centro-direita, como é bem patente nos resultados alcançados sobretudo pela coligação “Novos Tempos” em Lisboa, liderada por Carlos Moedas. A sua replicação ao país tornará a governação mais atenta e dará aos portugueses uma opção viável e credível.
Aguardemos com expetativa e tranquilidade o que nos reserva o tempo mais próximo, sem deixarmos de estar alerta.
Autor: J. M. Gonçalves de Oliveira