Está prevista para hoje a votação na Assembleia da República de vários projetos que pretendem legalizar a prática da eutanásia em Portugal.
Sendo um assunto de extrema delicadeza e de enorme complexidade que só há muito pouco tempo chegou à sociedade portuguesa, muita gente se interroga sobre a oportunidade de o trazer à liça na presente legislatura. No entanto, analisando a conjuntura e examinando as razões dos partidos que o colocaram na agenda, a resposta parece óbvia.
De facto, escrutinando todos os argumentos e dissecando os motivos invocados pelos diversos autores, facilmente se chega à conclusão de que é um desejo do Bloco de Esquerda, a que o Partido Socialista (PS) se associou para satisfazer a vontade do seu aliado que, nesta como noutras matérias, capricha em temas que dividem e fraturam os portugueses.
Partido Socialista que teve no último fim de semana o seu congresso, que pouco mais foi do que a entronização do seu atual líder e primeiro-mistro, António Costa. Na realidade, quando se esperava que do conclave socialista saísse uma clarificação ideológica e um esclarecimento sobre futura política de alianças, nada ficou elucidado.
António Costa, mais uma vez, com a mestria e a habilidade que se lhe reconhece, conseguiu conduzir praticamente toda a atividade da assembleia magna socialista naquilo que mais lhe interessava.
Numa verdadeira ação do mais puro sortilégio, lembrou que no seu mandato repôs salários e rendimentos e cumpriu as metas exigidas pela União Europeia, olvidando que foi a administração liderada por Passos Coelho que lhe preparou o terreno que permitiu tal reversão, esquecendo propositadamente que foi o penúltimo governo do PS, liderado por José Sócrates, que trouxe a troika e a austeridade que tivemos de suportar.
Num autêntico golpe de génio, conseguiu calar as vozes que pretendiam desenterrar o passado e estragar o grande comício e a enorme festa em que se converteu o congresso terminado no passado domingo.
Enquanto António Costa, com minucioso engenho e arte aprimorada, tenta estender a passadeira vermelha que possa pisar nas eleições legislativas do próximo ano, o que temos visto fazer a oposição, principalmente o Partido Social Democrata (PPD/PSD)?
Na verdade, Rui Rio, líder do PPD/PSD, viu o início do seu mandato manchado pelo alvoroço que lhe trouxe a nomeação da sua vice-presidente e do primeiro secretário-geral. No entanto, ultrapassados estes escolhos, parece continuar a balançar entre uma aproximação à esquerda, que futuramente o possa levar a uma reedição do Bloco Central (PS/PSD), ou a outra solução, já mais vezes experimentada, aproximando-se do seu parceiro natural, o CDS/PP.
Para atrapalhar mais esta indefinição, quando o tempo caminha apressadamente para um novo ciclo eleitoral, continuam a dar à estampa outros problemas no seio do seu partido.
Concretamente, nem a demissão de Pedro Santana Lopes do Conselho Nacional do partido, nem muito menos as divisões no grupo parlamentar sobre o sentido de voto num tema tão importante como a eutanásia auguram muito melhores dias.
Sobre esta matéria, sendo os deputados os representantes legítimos de quem os elegeu, acreditando que a base sociológica dos votantes do PPD/PSD é maioritariamente contra a institucionalização da morte medicamente assistida, não se entende a liberdade de voto que lhes foi concedida.
Sobre este último assunto, não posso deixar de enaltecer a posição assumida pelo Partido Comunista e de louvar a clareza assumida pela presidente do CDS/PP, Assunção Cristas, bem expressa no artigo publicado no semanário Expresso do passado sábado, intitulado “Eutanásia: Don’t go there”.
Muitos outros exemplos de falta de clareza, como os aqui citados, poderiam ser referidos. São demasiado frequentes e em nada ajudam a inverter o afastamento crescente dos cidadãos da política e dos políticos.
No tempo presente, a definição de política, como a arte de governar uma sociedade com o objetivo de assegurar o bem comum, está profundamente adulterada porque há políticos que não fazem jus a ocupar os lugares onde se encontram e atuam como se estivessem a representar, com o único propósito de preservar o poder.
E ainda se admiram com o aumento progressivo da abstenção e o aparecimento de populismos que pululam um pouco em diversos países democráticos…!
Autor: J. M. Gonçalves de Oliveira