Lia-se, há tempos, na imprensa diária:
Na freguesia de Podentinhos, concelho de Penela, um drone levou a marmita com o almoço ao único habitante da aldeia — um projeto piloto da Santa Casa da Misericórdia de Penela.
E na página seguinte do mesmo matutino:
Na Semana da Moda de Milão uma marca de alta-costura apostou na inovação, apresentando a sua coleção de malas para a estação outono/inverno com o recurso a drones que, assim, substituíram os modelos na passarela.
Pois bem, num primeiro comentário a estas duas situações é evidente a conclusão de que os drones não irradiam calor humano, não estabelecem diálogo, não interagem com as pessoas que servem ou influenciam; mas, tão-só, cumprem automaticamente, indiferentemente a sua missão, seja prestando assistência humanitária, seja passando a mensagem publicitária, sempre relegando ou ignorando a necessidade e alcance das relações interpessoais, como nas circunstâncias descritas.
Não sou contra a tecnologia, pura e simplesmente porque sim ou porque não, pois múltiplos e reconhecidos são os avanços e benefícios que dela usufruímos em todos os setores de atividade; mas, obviamente, preocupo-me e interrogo-me sobre o uso indiscriminado, pouco seletivo e, até, irracional que dela, muitas vezes, é feito; e, por isso, nunca é demais lembrarmos o quadro, estafado mas bem elucidativo, de uma vulgar família, por exemplo, à mesa, seja em casa, seja no restaurante ou no café cujos elementos (pai, mãe, filhos) não dialogam, não convivem, não interagem, apenas cada qual entregue à manipulação do computador, do telemóvel, da tablete ou do smartfone.
Ora, sabemos que os Nativos Digitais (a geração nascida na era digital) beneficiam e assistem a uma enorme expansão da internet e demais meios tecnológicos que permitem e promovem a conexão online, o uso de fones nos ouvidos, o mundo global dos e-mails, dos blogues, dos canais youtube, dos SMS e do facebook; uma geração que fala pouco e ouve ainda menos, vivendo solitária entre a multidão, pondo em risco e afetando seriamente as relações humanas e o mundo real dos afetos, sentimentos, emoções e interações.
E a conclusão é evidente, embora preocupante: a tecnologia não tem alma, é monopolista, gananciosa e dominadora, sacrificando a vida e a saúde de quem a usa sem método e sem critério; mas, apenas, se deixando intoxicar por esse mundo atraente e absorvente que sendo virtual põe de lado o mundo real.
E isto é tão problemático e destruidor da personalidade que o governo da China, onde a entrega a este mundo virtual é já uma tragédia social, criou campos de concentração – Gulags do século XXI – para desintoxicar, reeducar e reintegrar socialmente os viciados digitais, privando-os do uso desses meios que criam dependência e viciação; pois concluem que a dependência digital é pior do que a toxicodependência e de que resultam constantes suicídios.
Agora, a pergunta que se levanta: devemos demonizar as tecnologias de comunicação e informação e retirá-las das nossas vidas? Não, claro que não, porque os problemas não residem nas tecnologias em si, mas no mau uso que delas se faz – viciante, dominador, dependente – e que leva os seus utilizadores a viverem num mundo utópico, irreal, infeliz.
E, então, concluímos, alertando para alguns perigos que, mesmo sendo menores, considerados são por estudiosos, investigadores, pedagogos, sociólogos e psicólogos a ter em conta:
- exposição pública da nossa vida privada sem critério nem filtro;
- fuga à realidade e vivência num mundo fantasista;
- prejuízos para a acuidade visual, a memória e distúrbios do sono quando estes meios são usados antes de dormir;
- isolamento social, criando sentimentos antissociais e caos emocional (o que é a realidade, a que podemos aceder e o que podemos viver);
- desinvestimento no lado emocional e sua desvalorização com os mais próximos de nós (a família, os amigos, os colegas de trabalho).
Depois, o pior perigo é deixarmos de ser donos dos nossos pensamentos e afetos perante a omnipresença e omnipotência das redes sociais: e a fazer-nos lembrar o romance 1984 de George Orwell, onde o Grande Irmão – esse olho que tudo vê – domina e controla as atividades mais íntimas do ser humano, levando-o à perda total da sua liberdade, raciocínio e vontade.
Então, até de hoje a oito.
Autor: Dinis Salgado