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Acusações a Bob Dylan e Prescrição de Crimes Sexuais

O Prémio Nobel Bob Dylan está ser processado em Nova Iorque por alegadamente “ter violado várias vezes uma menina de 12 anos em 1965 quando tinha 24 anos de idade”. “Teria usado o seu estatuto, drogas, álcool e ameaças para coagir a rapariga a ter relações sexuais”. Entretanto, Dylan, 80 anos, nega tudo. Há cerca de 56 anos?! Isto é possível devido à nova legislação deste Estado dos EUA, o “New York Child Victims Act”. Tais normas possibilitam que pessoas que foram (talvez) abusadas em crianças possam interpor a acção judicial passadas várias décadas. Prevalece sempre no Estado de Direito democrático, a presunção de inocência. Os abusos sexuais são ilícitos que entre outros não prescrevem na dimensão ética. Todavia que nunca prescrevam numa dimensão processual legal já surge duvidoso. A prescrição relaciona-se também, na nossa opinião, com normas constitucionais e universais, que exigem a concretização de prazos razoáveis na Justiça: v.g. art. 20º/4 CRP. No procedimento criminal constitui pressuposto negativo da punição. Se passou um certo prazo longo desde o acontecimento do crime, tendo por referência a duração média de vida de um ser humano, sem que haja trânsito em julgado da sentença, desaparecem a carência de pena e as necessidades (adequações e proporcionalidades) das prevenções gerais e especiais das punições. Além disso, o passar do tempo exponencia de modo significativo a hipótese do erro judiciário que provém dos obstáculos acrescidos da investigação e da prova. Nas palavras de P. Albuquerque, podemos falar aqui de normas processuais materiais. O facto não pode ser perseguido criminalmente e também não pode ser considerado na reincidência ou na pena relativamente indeterminada. Já quanto à determinação da medida concreta da pena poderá ser considerada (J. Figueiredo Dias), sem violação da presunção de inocência. No ordenamento jurídico português é preciso consultar os art.s 118º (Prazos de prescrição), 119º (Início do prazo), 120º (Suspensão da prescrição), 121º (Interrupção da prescrição), 122º (Prazos de prescrição das penas), 123º (Efeitos da prescrição da pena principal), 124º (Prazos de prescrição das medidas de segurança), 125º (Suspensão da prescrição) e 126º (Interrupção da prescrição) do Código Penal. Nos EUA e Reino Unido têm surgido vários casos mediáticos. Um deles foi o do comediante Bill Cosby. 40 mulheres acusaram-no de as ter drogado e violado. Em 2015, o próprio admitiu. Em 7/2021, o Supremo Tribunal do Estado da Pensilvânia anulou tudo por provas nulas e absolveu Cosby. A maioria dos Estados dos EUA têm contudo normas de prescrição. E há excepções se forem encontradas provas claras de DNA. Noutros casos a prescrição funciona mesmo que haja confissão do autor. Arquiva-se. Aconteceu já. Na maioria dos países europeus há prescrição. Foi aliás isso que safou o ex-Chefe do FMI Strauss-Kahn, acusado de várias violações, incluindo abusos sobre empregadas de hotéis. A prescrição já existia na Antiga Grécia: a ameaça da “Espada de Dâmocles” não pode existir para sempre prejudicando o direito a melhorar. Por outro lado, a prova vai perdendo eficácia com o tempo desde logo por causa da memória. Já no caso das crianças o Reino Unido v.g. estendeu os prazos (1956-2004) precisamente por causa das inúmeras denúncias públicas que foram surgindo na média contra pessoas públicas. Num sistema jurídico de Estado de Direito não nos podemos, porém, esquecer do Princípio da Legalidade. Ora, EUA e RU são sistemas de “common law”, i.e., dão mais importância ao caso-de-estudo do que ao primado da lei escrita. Curiosamente, os EUA ainda são os que dão mais importância à prescrição nos crimes sexuais, ao contrário do Canadá, Irlanda, Nova Zelândia e Austrália. A ideia central por detrás disto é que os crimes sexuais, ao contrário doutros, são muito difíceis de relatar pelas próprias vítimas, por vergonha pessoal e “social”. O caso de Bob Dylan pode porém levar a inventar acusações que, sem confissão, objectivam muitas vezes apenas sacar dinheiro e destruir a vida do acusado.


Autor: Gonçalo S. de Mello Bandeira
DM

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3 setembro 2021