Cada um interpreta os resultados das eleições, consoante o que entende do seu significado. Mas todos nós, certamente, não podemos deixar de olhar com tristeza para o número de abstenções que existe. E, ao que parece, tem aumentado de eleição para eleição
A democracia não pode ficar a ganhar com a sua existência crescente e cabe a nós, cidadãos, sem preconceitos, pensar no trajecto dessa abstenção crónica, que se transformou numa companheira consistente do nosso sistema político, que, enquanto democrático, julgo que seja o mais adequado para escolher quem deve dirigir os destinos de um país por uma etapa de tempo determinada.
Alguém me comentava, ao ler as notícias sobre os resultados das eleições do passado domingo, que o maior partido português era o “abstencionista”. Efectivamente, nenhum outro conseguiu aproximar-se perigosamente dos 45 ou 46 por cento, que esse referido grupo de eleitores, que não foi às urnas, conseguiu somar.
Outro amigo, com melancolia sentida, observava: “Imagine que se casava um filho meu. Convidava 100 pessoas conhecidas para as bodas. E só apareciam 55 ... E as outras, pura e simplesmente, sem me darem qualquer satisfação, ficavam nas suas casas”...
Talvez não seja a comparação mais feliz aquela que se pode fazer entre uma festa de matrimónio e umas eleições legislativas. De qualquer modo, alguma relação conseguimos estabelecer, porque em ambos os casos se verificou uma ausência muito significativa de pessoas que tinham, pelo menos, uma certa obrigação moral de estar presentes e, no caso de lhes ser impossível aparecer, apresentar a quem as convidava, uma desculpa razoável. No acto electivo, é possível deixar nas urnas um voto nulo ou um voto em branco, por exemplo.
As eleições periódicas são, num sistema democrático, como que uma manifestação de confiança que a sociedade deposita nos seus cidadãos. Dá-lhes a hipótese, discreta no caso pessoal de cada um, de mostrar, através do seu voto, que é secreto, quem prefere que tome conta das rédeas que conduzem o bem estar da sociedade onde vivem. No caso de um casamento, decerto que o autor dos convites o “pai”, como atrás se observou – não poderia sentir-se contente com tantas ausências. Além disso, ausências que nem sequer eram justificadas com uma desculpa delicada.
Parece-me correcto que, numa sociedade regida pela democracia, haja a hipótese de um cidadão se abster. Contudo, quando o “partido abstencionista” é o que reúne maior número de adeptos, é necessário reflectir-se seriamente sobre o seu significado: como se está a tratar o sistema democrático, porque há tantos cidadãos que não acorrem às urnas, como são eles preparados para as diferentes eleições, etc.
O que não se me afigura justo é que a nossa sociedade não reflicta a sério sobre este fenómeno triste da abstenção. E que os políticos que nos dirigem se embrenhem no dia a dia, depois de alcançarem lugares no parlamento, e não se perguntem com seriedade, porque é que, em Portugal, o maior partido não é nenhum dos que se encontram na Assembleia da República, mas a dos cidadãos que ficaram em casa sem prestar atenção ao acto eleitoral, por ignorância, por "burguesite" comodista, por convicção pessoal, ou por outras razões.
Autor: Pe. Rui Rosas da Silva