Não cauciono a abstenção, julgo-a mesmo uma desresponsabilização pessoal e desrespeito por quem elevou o voto a direito fundamental. O desafio é outro: vote, mas abstenha-se de o fazer em quem deixou o país sorumbático, acomodado e procure um país que floresça, que crie riqueza e não apenas a tribute, sem a redistribuir eficazmente em prol de crescimento social. Deve abster-se da escolha de um líder amorfo, sem ambição, agarrado a um orçamento caduco e derrotado, qual tábua de salvação. Há que se abster de dar voz a quem impõe que os mais qualificados só ganhem melhores salários mínimos. Abster-se de aceitar o definhamento de uma classe média, cada vez menos média e mais pública. Abster-se de sancionar serviços públicos de qualidade decrescente, sem responsabilização, sem custos rigorosos, amarrados a conceitos somente ideológicos onde proliferam mais funcionários, mas sem incentivos diferenciadores, com piores serviços, degradados, não optimizados, não racionalizados, não produtivos. Porque não abstermo-nos de quem quer manter uma cultura conformista, sem grau de exigência, antes indexada a uma qualquer sorte, como se tratássemos as obrigações do Estado para com o cidadão, à míngua de boa gestão e avaliação, como um jogo em que se pode, ou não, ter uma boa escola ou um bom professor, um bom serviço hospitalar ou um bom médico. Importa uma abstenção forte no decepar de unidades de saúde familiares e médicos de família, sucessivamente prometidos, para abrirmos uma solução, antes de tudo preventiva, sem que se deixe o SNS para os que não têm recursos ou acesso directo a outros sistemas (estes que pagam a saúde duplamente), porque não responde eficiente e tempestivamente e transformando-o num refugo, subsidiário daqueles. Porque não se abster de quem mantém a justiça afundada na morosidade, alguma beneficiando de forma opaca o próprio Estado (o caso da justiça administrativa e fiscal) e permitindo uma desigualdade gritante no seu acesso, com uma protecção aos mais necessitados que esmorece pela incapacidade de quem devia, rápida, responsável e legalmente, avaliar o acesso à mesma. Abstenção à lenta e crescente tendência de sermos ultrapassados por aqueles países que há dias eram apontados como bem mais pobres que nós. Renuncie-se a salvar empresas públicas ou meio públicas ou assim assim, verdadeiros sorvedouros do nosso dinheiro em solvências duvidosas, em vez de apostarmos num progresso económico sustentado na paulatina redução dos custos e libertação de meios de quem, efectivamente, produz. Ignore quem acena com baixas ilusórias de IRS, quando o contribuinte nem por isso vê mais rendimento disponível em razão do aumento de impostos, taxas e taxinhas escondidas e encapotadas. Não dêmos o beneplácito da força de um voto naqueles que apostaram sempre na mesma receita, esperando que promova resultados diferentes, qual jackpot no casino da vida e quando vemos o lugar comparativo do nosso país na riqueza e poder de compra a fenecer alegremente. Abstenha-se de sufragar políticas que capturam e evitam um olhar para os mais velhos com dignidade, humanidade e sensibilidade em todas as vertentes da vida, uma prioridade de sociedades modernas. Ponha-se de lado um sistema fiscal cada vez mais autoritário, instável, opressivo e complexo. Esta deve ser a real abstenção, procurando um futuro mais esperançoso, mas mais pragmático, preparado, estudado, perspectivado com competência. Dito isto, o PSD de Rui Rio parece ser quem melhor corporiza um dinamismo próprio, mas simultaneamente sério para reformas institucionais e economicamente estruturantes e inovadoras, capazes de alavancar Portugal para não ser um país adiado e na busca de novos horizontes. É certo que pode parecer mais fácil ficar como está, no conforto do conhecido, ainda que do poucochinho. Mas não tivéssemos, em tempos de mares nunca antes navegados, abstido de escutar aquele «velho d’aspeito venerando», o do Restelo, que rejeitava a busca do «incerto e incógnito perigo», e nunca teríamos as memórias gloriosas de engenho e arte dos nossos compatriotas, destemidos descobridores, e de um Portugal maior.
Autor: António Lima Martins