Podemos ter mergulhado numa imensa incógnita, num futuro incerto e conturbado, pois das próximas legislativas pode resultar um impasse, fruto da inexistência de uma maioria absoluta seja do Partido Socialista (PS), seja do Partido Social Democrata (PSD), e, daqui, brotar o fantasma de uma nova geringonça, aliás já protagonizada e, até, desejada pelo ainda primeiro-ministro António Costa.
Ora, a meu ver, seja de esquerda, seja de direita a governação em geringonça é instável, incerta e inconsequente, pois, assim, a definem os interesses conjunturais dos partidos e politicos envolvidos nessa solução; porque sempre mais forte é o que os divide do que o que os une e, muitas vezes, lhes faltam formação e experiência políticas, estofo de estadismo e lhes sobra a sanha de objetivos familiares, pessoais e de grupo.
Se analisarmos a frio e conscientemente estes seis anos de geringonça à esquerda, o saldo é francamente negativo, mesmo com António Costa esforçando-se em negociações e tentativas dialogantes, mas sempre esbarrando em constantes chantagens e roeres de corda dos seus parceiros – Partido Comunista Português (PCP) e Bloco de Esquerda (BE); e nunca a palavra dada foi palavra honrada, já que o ódio feroz do PCP e do BE às PPP (Parcerias Público Privadas) e a tudo que tenha a ver com iniciativa privada, sobretudo, na Saúde e na Educação é evidente e, deste modo, nada deles se podia esperar para soluções, acordos e avanços políticos na governação.
E isto acontece porque os dois parceiros do PS, em termos ideológicos e de práxis política não jogam no mesmo campo e longe estão de se entenderem; e mesmo no que ao PS concerne as vozes internas contra os efeitos da geringonça longe estão de serem uníssonas em termos de valores, formas de ação politica e diálogo institucional.
Agora, o nosso passado político nos diz que a governação com minorias relativas em termos de acordos e soluções parlamentares pontuais, nos momentos de aprovação de medidas legislativas urgentes e imprescindíveis sempre foram mais operativas, úteis e responsáveis do que as soluções geringonçadas como as que acabamos de viver, e que, por isso, impediram que o país andasse para a frente tomando as medidas necessárias ao desenvolvimento estrutural, quer económico e institucional, quer social e individual do país.
Pois é, então, façamos futurologia e imaginemos que as próximas eleições legislativas (30 de Janeiro de 2022) são ganhas pelo PS, mas sem a desejada maioria parlamentar à esquerda que António Costa tanto almeja e o PSD, de Rio ou Rangel, consegue-o à direita com o Chega; e, obviamente, apresenta ao Presidente da República a sua geringonça que a abaliza, deixando-o, nas circunstâncias, prisioneiro de André Ventura que, com o tempo, vai exigir medidas legislativas extremistas, como a instauração da pena de morte, a perseguição a ciganos, imigrantes e homossexuais, a castração química de pedófilos, etc etc. e a governação torna-se assim conflituosa e impossível com os interesses mais urgentes e fundamentais do país e do povo (revisão eleitoral, regionalização e descentralização, criação de emprego e riqueza, diminuição da dívida pública, revitalização da classe média, baixa de impostos, combate à pobreza, eficiência da Administração Pública, a defesa e reestruturação do Serviço Nacional de Saúde (SNS)...) a ficarem na gaveta.
Conclusão evidente: com geringonças, à esquerda ou à direita, é quase impossivel por utópico conseguir-se uma governação estável, eficaz, operativa, mas somente com o recurso ao centrismo (centro esquerda ou centro direita) de que são protagonistas o PS e o PSD, a meu ver, esta fórmula governativa, na ausência de maiorias absolutas, pode como já noutros tempos aconteceu, alguma estabilidade, segurança e cooperação políticas a quem governa, desde que o faça com tolerância, diálogo, estadismo e os olhos e a vontade postos no futuro da país e do povo.
Todavia, não é com a formação de blocos centrais com PS e PSD que estamos a pensar, mas, tão-só, na formação de um governo minoritário PS apoiado pontualmente no Parlamento pelo PSD, ou vice-versa, porém, para alcançarmos este estado de maturidade, convergência e rigorismo políticos tem de haver uma profunda mudança de mentalidade e cultura humanística – reconversão cívica – da nossa classe política; e isto, apenas se torna possível com uma exigente, viva e ativa participação e envolvimento de todos nós na vida democrática do pais.
Ainda vamos a tempo, se quisermos que a democracia resista e se agigante perante o avanço evidente, imparável e feroz dos extremismos políticos de esquerda e de direita que adoram geringonças.
Então, até de hoje a oito.
Autor: Dinis Salgado