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Abolacracia

A bola é redonda? Faz sentido pensar que não o é? Quando é que ela é tudo menos esférica? E por que razão olhamos para ela de forma tão apaixonada que nos esquecemos das mais elementares regras de convivência e de respeito, pontapeando-a para as calendas, como se não fossemos todos responsáveis pelo seu destino? Ora bem, olhando para as causas, a dita cuja, apaixona, exacerba, espoleta os sentidos da barbárie e do mesmo modo parece ser tão essencial, que fazemos dela o centro das atenções, alimentando-a de paixão e de uma incrível irracionalidade que chega a espoletar a mais estúpida das reações atentatórias da liberdade e dos direitos fundamentais. A começar pela liberdade de expressão, do direito a informar e a ser informado, terminando no anacronismo que é conviver hoje, com anátemas de um passado que se esperava enterrado, a última semana revelou-se auspiciosa para debelarmos as fraquezas de um sistema que atinge a justiça esférica e nos envergonha a todos. Chegamos à conclusão de que apesar de termos uma Constituição, um sistema democrático consolidado, nem tudo são rosas. Há espinhos invejavelmente espúrios em torno da bola, que merecem o repúdio e uma resposta inequívoca aos que teimam vender gato por lebre, a começar na “justiça” desportiva onde se violam diariamente as regras mais elementares do estado de Direito. E é assim, que assistimos atónitos à tentativa de sancionar uma jornalista que se limitou a fazer uma pergunta fora da caixa; ou seja, a fugir às regras estabelecidas por um sistema que não tem nada a ver com Democracia e Liberdade. É mais próprio de um regime autocrático, tendencionalmente corruptível e opiado pela paixão exacerbada dos seus súbditos (adeptos). Não chega por isso, que perante uma intenção de espoletar um processo disciplinar, morta à nascença, nos fiquemos pelo alívio. É preciso expurgar o desporto, de regras atentatórias dos mais elementares direitos. A ideia acomodada de que o desporto e em particular o futebol, é um mundo próprio, com regras e linguagem específicas e, portanto, desprovida de sensatez e lucidez, perdura há demasiado tempo, está sacramente enraizado e demonstrou agora que se tornou perigoso para a sã convivência em Democracia. As estruturas desportivas e particularmente as ligadas ao futebol, dão-se a luxo de achar que a bola pode ser quadrada quando é conveniente e esférica por inação dos poderes públicos. O caso desta semana com uma jornalista da Sport TV não devia ter acontecido, mas ainda bem para o futebol, que houve quem tivesse o desplante para tentar sancionar os seus direitos constitucionais. Desta forma, deu uma oportunidade para rever e talvez, espera-se, eliminar a autocracia instalada nas estruturas que devem dirigir o desporto e em particular o futebol. E se este caso, infeliz, parece bem encaminhado, do lado da comunicação social, nem tudo são rosas. Há exageros e linguagem furiosa na escrita e na expressão da opinião que envergonham pela violência incontida dos seus intérpretes. Felizmente, começa a vislumbrar-se luz ao fundo do túnel em muitas redações, ainda que se constaste que “a procissão só agora saiu do adro”. Ver jornalistas a exercerem a sua profissão de forma autoritária, exacerbando direitos, para lá da razoabilidade, é tão criticável como os protagonistas institucionais do nosso querido futebol. Não se pense que é apenas no desporto e em particular no futebol, que encontramos estes desejos pérfidos do poder; há na cultura e na política uma estranha volúpia tão repugnante e tão indesejável, que não nos podemos esquecer que ela se arma, sempre que pode ou deseja, dos mesmos defeitos e posturas perigosas. A ida de diversos músicos ao Festival do Avante e a forma como o Jornal I retratou o caso, é um sinal perigoso e revelador de como é fácil, ultrapassar as regras elementares do jornalismo. Transformar os músicos em adeptos de Putin por cantarem na festa de um partido que não condenou a guerra russa na Ucrânia é uma visão quadrada e perigosa. Chamar-lhe o “Festival da Vergonha” é uma visão opiada. Felizmente, por agora, ainda temos a liberdade de deixar de ler lixo, mas isso não nos deve toldar o espírito. Achar que o jornalismo não tem limites é uma visão quadrada. É útil, necessário e urgente, impedir que a Indiferença seja a única forma de repugnar os atentados à Democracia e à Liberdade.


Autor: Paulo Sousa
DM

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4 setembro 2022