“Em Roma, você anseia pelo país; no país – oh inconstante! – você elogia a cidade distante para as estrelas”. A frase atribuída a Horácio, poeta e filosofo romano (65 a.c. a 8 a.c) cabe como uma luva na nossa exaltação coletiva por estes dias. Cada rua, cada casa, cada espaço comercial voltou a ser nosso. O intervalo acabou aparentemente com o divórcio forçado e eis de novo o povo (todos nós) a balançar-se para a reconquista do que perdeu. Infelizmente, de uma forma errática; perdidos entre a escolha de sentimentos, uma espécie de misto da saudade da Liberdade e do medo do seu excesso. Entramos com receio no quotidiano à espreita de uma oportunidade, olhando para os números mágicos da tragédia, esperando que eles contem uma história de sucesso. Mas a verdade é que o desespero- como sentimento que é- é uma arma de dois gumes que tanto nos ajuda a procurar com mais afinco uma saída, como nos coloca perante a escolha da distância como inevitável. A realidade de Roma funciona como um espelho da impotência humana perante as escolhas que temos de fazer; obriga cada um de nós a fazer opções responsáveis num momento em que as emoções exaltadas sobrepõem-se à razão e decidem correr o risco, cavalgando numa espécie de homicídio da cautela. Mais do que percebermos que não reconstruímos o nosso quotidiano por força da mera vontade, mas da sua simbiose com a ponderação, seria importante intervalar os ímpetos com a disponibilidade para reconquistar a Liberdade, cuidando dos esteios que a amarram à nossa vontade de viver. A Saudade tem por isso uma dupla função se ousarmos usá-la para o bem comum. Cada um de nós vive cercado de sentimentos mistos, esbarrando na incredulidade e no desespero de tomar de novo como nosso o que nunca deixou de ser. Esta é a altura ideal para nos balançarmos para novos desafios que deixem para trás sentimentos de pertença, viciados numa cartilha de consumo irracional e pouco sustentável, para agarrarmos a oportunidade de criar a diferença. Está aberta a porta para repensar o modus Vivendi, e definir novo rumo, acrescentando à liberdade como pilar fundamental, um novo modo de pensarmos a Democracia que queremos, à luz de um novo paradigma que cresce nas cidades. O conhecimento, a cultura e a sustentabilidade são as âncoras dessa Visão, articuladas pela capacidade de reinventarmos outro quotidiano, que transforme a nossa perceção da realidade, tornando-a num instrumento da Ação e não da Emoção. O desafio é antes de mais individual, obriga a olhar para o interesse coletivo como primado da existência e convivência humana e exige que se olhe frontalmente para a Saudade da Cidade comum, como olhamos para os factos históricos: pertence ao passado. O desafio que temos pela frente não nos deixa à-vontade para crescer com os mesmos fundamentos, nem para, de forma errática, atalharmos caminho para reconquistar os mesmos espaços, da mesma maneira. Espera-nos a obra da nossa vida se formos capazes de nos afastar de sentimentos porosos, pouco convenientes e inimigos da nossa sobrevivência comum. Não será fácil, exige uma revolução na perspetiva e uma guerra sem tréguas aos maus hábitos que ajudaram a eclodir a maior devassa a que fomos sujeitos desde a segunda Grande Guerra. A vida coloca-nos constantemente perante novos desafios e as cidades, centro nevrálgico da nossa perenidade, representam por estes dias, a razão da sua ambiguidade. Gerir com inteligência é a chave para nos acercarmos da reinvenção do quotidiano, não caindo na tentação de sustentarmos o futuro numa miragem do belo e do prazer, sem atender como são fracos os alicerces dos sentimentos que queremos preservar a todo o custo. Li há dias uma frase atribuída a Amit Ray, defendendo a cidade inteligente como espaço de oferta para o crescimento humano em todas as dimensões, mas esta combinação entre vontade de aspirarmos a uma melhor Qualidade de Vida e a racionalidade pragmática e dura, tem um longo caminho à sua frente. Tudo vai depender da capacidade de nos motivarmos para a Mudança, sem a qual será fugaz esta exigência que nos opõe entre o à-vontade que merecemos e o à-vontadinha que devemos rejeitar. Haja bom senso para sermos capazes de reinventar a Cidade de novo.
Autor: Paulo Sousa
À vontadinha...

DM
7 junho 2020