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A vivência da caridade

A semana dedicada à Cáritas vem chamar-nos a atenção para uma atitude de renovação interior do amor ao próximo, proposta pela Igreja para este tempo da Quaresma: a prática da verdadeira caridade.

Neste mundo conturbado, cheio de egoísmo e de exploração do outro, uma chamada de atenção para sairmos da nossa concha e nos voltarmos para os nossos irmãos, constitui uma atitude muito importante. Abdicar de algo que podemos dispensar em favor de quem mais necessita é uma ação profundamente humana. A caridade caracteriza-se pelo princípio operativo da moral cristã.

Desde as comunidades primitivas que a consciência dos crentes se tem polarizado à volta da caridade. É aí que se encontra o critério da sua identidade. A lei do amor é uma das leis mais relevantes da vida. Aliás, é a maior e a mais profunda de todas. O amor enche os corações de quantos o procuram com bondade, seriedade e piedade.

É tema central das leis da vida, porque o amor é o elemento que une todas as vertentes humanas. Por amor queremos dizer amor pela vida, por Deus, pelo próximo, pelo trabalho, pela beleza, pela sabedoria e pela natureza. Há, no entanto, dois tipos de amor opostos: o “Agappa” que é o amor que constrói; o “Eros” que é um amor egoísta e que destrói.

As exigências religioso-morais da mensagem de Jesus manifestam-se e condensam-se no preceito fundamental do amor a Deus e ao próximo. Diz S.Tomás de Aquino que a caridade é a “forma de todas as virtudes” que constitui a base da sua moral numa perspetiva evangélica genuína. Para Gilleman, a primazia da caridade na vida moral é expressa através do conceito de mediação. Segundo ele, a vida moral é a “mediação” do dinamismo da caridade.

A caridade, enquanto aponta para compromissos intramundanos de amor ao próximo, desperta continuamente a fé de um mero misticismo autojustificante e impede, ao mesmo tempo, que a atitude religiosa desemboque numa piedade puramente cultural. A caridade estimula o compromisso moral dos crentes a ultrapassar o minimalismo e o legalismo, fazendo com que a sua atitude moral não degenere em moralismo autogratificante.

O impulso religioso do amor a Deus tem a sua vertente inevitável na transformação da realidade humana. Tal transformação adquire sentido definitivo apenas através da sua vinculação à vida de perfeita caridade. O amor ao próximo não deve ser considerado como um conteúdo isolado, mas como uma orientação geral de todos os conteúdos da moral cristã. Ele abarca, julga e ultrapassa todas as mediações históricas em que se exprimiu e exprime. Mais que falar de preceitos de caridade, é necessário falar de exigências éticas vistas a partir da caridade e orientadas para a caridade.

A caridade nunca se esgota em fórmulas já estabelecidas. Há sempre novas possibilidades de realizar o amor ao próximo. Proclamar o amor ao próximo, como conteúdo do compromisso moral do crente, é radicalizar a exigência ética da intersubjetividade e manifestar a dimensão ética da alteridade pessoal.

Portanto, o conteúdo decisivo da moral mede-se pela referência ao outro ou, por “se fazer próximo do outro” (Lc. 1O, 36). A moral cristã encerra, por natureza, uma dimensão social e, assim sendo, a vocação do cristão empenha-o na verdadeira vida humana.

O Concílio Vaticano II, na Constituição Pastoral sobre a Igreja no Mundo Contemporâneo, exorta os crentes a levarem para o bem do homem e do mundo tudo o que eles são capazes, enquanto homens esclarecidos pela fé em Cristo e guiados pela Sua graça.


Autor: Artur Gonçalves Fernandes
DM

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1 março 2018