Antes de mais, uma nota introdutória. Já tinha decidido escrever sobre o assunto, mas não tinha escolhido o título. Encontrei-o depois de ter picado a D. Milinha, acérrima socialista, sobre a eleição que acabara de decidir o líder do maior partido da oposição, o Partido Social Democrata. A interlocutora disse-me que venceram os pés-rapados, o povo do partido; que qualquer partido tem os seus pés-rapados, que são os seus militantes de base, que tanto elegem os seus líderes como lhes tiram o tapete; e que, no caso, elegeram um pela terceira vez, deixando parte do aparelho em causa. Não destoou do meu pensamento e ofereceu-me o chapéu para o tema de hoje.
Agora, a minha opinião. Nos textos das últimas semanas, tenho vindo a fazer referência ao prejuízo que as lutas internas nos dois maiores partidos de centro-direita têm trazido para a alternativa ao actual governo do partido socialista. Estou convencido de que os processos iniciados prejudicaram, de facto, uma eventual mudança governativa, ainda mais porque um ainda decorre e isso impede uma aliança pré-eleitoral entre social democratas e centristas, o que teria potencial acrescido relativamente à apresentação autónoma de listas. O outro processo foi genericamente concluído no sábado passado, ainda que se possa esperar a reacção de alguém que tenha incentivado os candidatos. É deste último processo a que me dedicarei hoje.
Pode acontecer que o Partido Social Democrata se una, finalmente, em torno de uma única estratégia, depois de uma ininterrupta crispação interna desde que Rui Rio chegou à liderança, umas vezes barulhenta, outras de forma silenciosa, para se apresentar em boa forma nas próximas legislativas já daqui a uns escassos dois meses. No entanto, parece-me que será difícil e talvez inglório o esforço para que o Partido Social Democrata consiga, em tempo útil, primeiro, a recuperação do enorme atraso com que parte para o desafio eleitoral e, depois, a ultrapassagem ao Partido Socialista. Não se vencem eleições sem tempo, ainda menos quando o adversário está forte – dizem-no as sondagens – e tem argumentos. Acresce que muitas concelhias e distritais do Partido Social Democrata deverão entrar, entretanto, em reflexão séria, embora possam não o fazer, ignorando os sinais que os militantes de base deixaram. A probabilidade de não o fazerem será, sobretudo, do lado dos que correram mais à procura de benefícios próprios e menos ao serviço dos militantes, da população das suas circunscrições geográficas e, no limite, do conjunto dos portugueses.
No partido que foi a votos, houve muitos perdedores, não foi apenas Rui Rangel o perdedor. E não se lhe acrescentam apenas os líderes das concelhias e distritais que o apoiaram. Como o deputado europeu, perderam também os barões, os baronetes e até os tubarões do partido que se fizeram ouvir para que os pés-rapados fossem na onda da “alternativa urgente”. Os desafios e os golpes de deslealdade sempre têm consequências. Quem é sério, tira-as de imediato, sem calculismos e subterfúgios. Quem o fará? Os que se movimentam por interesse próprio e pela calada são bem capazes de garantir que não tiveram qualquer intervenção ou que até estiveram do lado de quem venceu. No distrito de Braga, por exemplo, será que todos os perdedores tirarão ilações? É que uma das coisas que os resultados revelaram é que o chamado aparelho do PSD, por cá, como noutras geografias, está desajustado à militância. É o que pode acontecer quando os líderes políticos não auscultam os pés-rapados e se alternam nos diferentes órgãos em circuito fechado. Desta vez, os militantes social democratas deixaram um aviso sério à navegação, sobretudo, aos que fazem carreira na política. Rui Rio tem, para já, mandato para preparar a alternativa ao governo socialista. Depois, logo se verá. Como disse a D. Milinha, os pés-rapados tanto elegem os seus líderes como lhes tiram o tapete. O risco, mas só para os aparelhistas, é que a moda pegue a sério.
Autor: Luís Martins