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Aparentemente e como notou Josep Vives, «Deus está ausente e ninguém tem saudades».
A alternativa é a idolatria na sua pluriforme expressão. «O homem moderno – sinaliza Ernest Beckey – bebe e droga-se até perder a consciência, ou então passa o tempo a fazer compras».
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Neste quadro, Michael Paul Gallager apontou o óbvio.
A elefantíase do consumismo dita que «a religião tende a ser reduzida a mais um produto na “prateleira do supermercado”».
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Em vez de uma vida humana à imagem de Deus, deparamos com uma visão de Deus à medida do homem.
Na prática, é uma revivescência da conhecida máxima de Feuerbach: «O homem é um deus para o homem».
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Assim sendo e voltando a Michael Paul Gallager, «a religião pode tornar-se uma espécie de “música de fundo” agradável para vidas desorientadas ou imaturas».
E, mais concretamente, o Cristianismo arrisca converter-se numa soporífera «alienação da realidade, pessoalmente consoladora, mas sem nada de desafiante». Limita-se a ser «atraente para um entusiasmo rápido […], mas evitando a profundidade de um seguimento».
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Agora que o «relógio do mundo» – que tinha «parado» no início de 2020 – vai retomando o seu andamento, avulta a dificuldade em motivar para uma participação efectiva e contínua nas celebrações e demais actividades da Igreja.
Ainda não somos uma «sociedade desigrejada» (Tomás Halik), mas podemos surgir como uma «Igreja desconjuntada».
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Sucede que, mais do que denunciar comportamentos que se vão impondo, precisamos de exercitar a atenção.
Será que estamos atentos ao que vai «gestando» na vida das pessoas?
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É sabido que as adversidades – incluindo as maiores catástrofes – costumam desencadear prolongados processos de transformação.
Basta olhar para a conversão dos habitantes de Nínive, após o anúncio da destruição iminente (cf. Jn 3, 4). Ou para a transfiguração do (chamado) «filho pródigo» depois das provações que suportou (cf. Lc 15, 14).
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É notório que a presente pandemia parece inaugurar a longa gestação de uma nova realidade.
E neste «kairós» temos de ser mais «gestadores» do que «gestores»: mais «gestadores» daquilo que (ainda) nem sequer se prefigura do que «gestores» da mera conjuntura.
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Não nos é lícito ficar pela repetição de enunciados genéricos. É urgente aterrar no concreto.
Não basta ficar à espera. No fundo, há quem, como escreveu Saint-Exupéry, clame silenciosamente: «Por favor, cativa-me».
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É necessário sair e fazer sentir a cada um que a sua presença é fundamental e bem-vinda, «hoje». Em cada «hoje»: nas celebrações, nas decisões e em todas as acções.
É chegado o momento de erradicar – de vez – a frieza nas relações eclesiais. É tempo de voltar a fazer sobressair a alegria de viver em conjunto, de estar com o outro, amando-o como irmão (cf. 1Jo 4, 21)!
Autor: Pe. João António Pinheiro Teixeira