A fala é do homem, mas o entendimento entre indivíduos da mesma espécie existe. Esta comunicação, tratando-se de humanos nem sempre é harmoniosa nem sempre conflituosa. Mas existimos para sermos seres sociais, isto é, estamos uns com os outros. Até o filho único faz atualmente a sua socialização desde o infantário à escola superior.
Parece-me que a sociedade dos humanos está a perder esta capacidade de ser e comunicar com o outro. Não é raro, é até muito vulgar, vermos jovens na rua com os ouvidos tapados a ouvir música no smartphone ou no seu genérico iphone; outros a dedilhar com destreza e persistência mensagens no teclado dos telemóveis; outros a telefonar; as convocatórias para ajuntamentos são feitas por mensagens; as transferências bancárias e pagamentos são feitos por computador; a internet já está nas rua e nos telemóveis, assim como os noticiários e cinema; os transportes públicos foram substituídos pelo automóvel pessoal.
O avião ainda é mais coletivo que pessoal, mas o gérmen da tendência para o particular lá está na vontade de ter um jatinho particular. A sala de cinema, pouco a pouco, ficará sem ninguém porque será substituída pelo cinema da casa de cada um. Às horas das refeições, à mesa, já é preciso dizer aos mais novos que parem de jogar no telemóvel. Em casa há três televisões: um vê telenovelas, outro ouve o telejornal e o terceiro vê futebol.
Falar entre eles, zero. Uma casal de jovens subia a avenida: ela falava que se desunhava enquanto ele, surdo às palavras da miúda, desunhava-se no teclado. Num banco do jardim outro casalinho: ele deitado nas pernas da rapariga teclava, de papo para o ar, no telemóvel; ela de auscultadores nos ouvidos escutava o seu iphone. Que rica conversação ali não ia! Em atos públicos já foi necessário estabelecer que era má educação ter o telemóvel ligado. A conversação foi ou vai sendo deixada para trás porque está na hora da televisão; shiuuu, prolongado como um aviso de árbitro que manda parar o jogo por falta cometida.
A palavra estava a mais; a escrita passou a ser em siglas, tudo parecendo mensagens encriptadas. O que vejo e observo é isto, e este escrito não pretende ser um censor dos usos e costumes atuais; apenas cronista desta sociedade que está a perder o viver em sociedade. Este individualismo pode vir a ficar surdo aos apelos de solidariedade que é uma das caraterísticas mais notáveis da coexistência humana.
A solidariedade é eu nos outros; se não existe o outro, não é preciso ser-se solidário. Os outros animais são abandonados, à sua sorte, quando estão incapacitados de seguir o grupo: mas o homem até hoje, era solidário com os mais fracos se oprimidos. Ao perder-se esta moral, perdem-se outros valores que lhe estão conexos: a relação geracional pauta-se por saber respeitar os pais com reverência, os mais velhos como sábios de velhos saberes e o outro como elemento da coexistência; se assim não for, perde-se a sociedade das pessoas para fazer nascer a sociedade dos indivíduos; estes vivendo fechados para si e em si e aqueles vivendo em sociedade com o outro. Diziam-nos os sociólogos que “o homem é um ser eminentemente social”.
Era verdade, porque o homem sempre gostou de conviver; nesta convivência apurou os seus estados de alma, soube amar e odiar, rir e chorar, escolher e ser escolhido e sempre rejeitou viver sozinho. Pois parece-me que vamos a caminho duma nova solidão: a da tecnologia que nos fecha em nós mesmos em vez de nos abrir a porta larga da conversação com o outro.
O ato de ler, que passava de imediato de um estado de solidão para um ato de companhia com os heróis ou vilões do enredo, está a morrer: as imagens tecnológicas são tão concretas que retiram ao indivíduo o trabalho de as criar. O indivíduo está aqui a ser um mero consumidor, engolidor de papinha feita em vez de um criador de diálogos. Está só. É indivíduo. Matou a pessoa.
Autor: Paulo Fafe