Há cerca de um ano, neste mesmo espaço, alvitrava a necessidade de repensarmos a nossa relação com o consumo, a partir da ideia base de que seria irreversível o comércio eletrónico e que muitas empresas iriam transformar-se em pequenas Amazon’s. Os últimos dados analisados no programa “Da capa à Contracapa”, espelham o crescimento desta nova relação entre consumidor e as lojas físicas. Sendo uma nova realidade, com crescimento de dois dígitos, levanta-se a questão, que então abordei, sobre a redução da nossa pegada social. As opções pessoais de cada um passam agora pelo webrooming (aquisição de bens nas lojas de produtos encomendados na Internet) e o showrooming (aquisição online depois de visitas às lojas dos consumidores). Um caso e outro, espelham a tendência prevista e mostram como os espaços quer na rua, quer nos centros comerciais, estão a transformar-se em “centros de abastecimento de compras eletrónicas”, como o designou Miguel Veloso, da Accenture Portugal.
Tudo está a ser feito de uma forma natural, sem dramas, sem dúvidas e sem medida, o que equivale a dizer, que está em curso uma revolução tranquila que está a mudar por completo a nossa relação com o consumo.
A rápida desaceleração da nossa pegada social tem um outro tomo que coincide com os fatores críticos da Sustentabilidade e da Sociedade instantânea que invadiram o nosso quotidiano de forma perene. Desiludem-se aqueles que acham que a saudade que temos para normalizar as nossas relações sociais e humanas será a mesma: há um novo e incontornável ecossistema digital que está a moldar de forma irreversível a forma como nos relacionamos com os outros e com as coisas.
Sendo esta uma oportunidade para acelerarmos a condição de Ser Digital, ela é, também, simultaneamente, uma oportunidade para avaliarmos a desaceleração da pegada humana e o peso que esta tem para a sustentabilidade das nossas cidades. O ritmo e o tempo são conceitos em profunda transformação, ou seja, tornaram-se indicadores da gentrificação social que merecem ser medidos e constituírem referência para a governação 2.0. O que parece ser uma visão inaudita é apenas o reflexo do efeito que me atreveria a comparar com o resultado da ida do homem à Lua, citando Neil Armstrong: "Um pequeno passo para um homem, um salto gigantesco para a humanidade". Estaremos preparados para perceber o quanto mudamos em pouco mais do que um ano? A nossa atividade física tenderá a moldar-se ou vamos esquecer tudo com um tratamento de choque na era pós-pandémica? – Sim, nada será como dantes e à medida que acelerarmos a matriz da era digital na próxima década, tendemos a transformar as nossas capacidades motoras, seja porque deixaremos de conduzir os nossos carros, na maior parte do tempo, como deixaremos de forma acelerada de realizar trabalhos que entregaremos aos nossos assistentes virtuais e robotizados, ou simplesmente deixaremos de nos deslocar aos prestadores de serviços. Esta revolução que muitos tendem a situar ao nível do “Mundo Imaginário”, da escritora Keri Smith, é apenas o reflexo das nossas práticas quotidianas que se torna imparável tal como o efeito de ondas em cadeia quando atiramos uma pedra ao mar.
Contudo, há uma necessidade urgente de promulgar os afetos como condição de vida que todos ansiamos e da qual não podemos abdicar em nome da desconfiança e da segurança pessoal. Ela tem de permanecer incólume e tenderá a refletir-se como substituta do muito que estamos a perder na pegada social. É verdade que tudo parece ser movido como se fosse irreversível, imparável. Cabe a cada um dosear a sensação de vazio que o mundo novo provoca com a necessidade de não perdermos de vista a condição humana que nos distingue. A previsibilidade com que a geração dos nossos pais conduziu a sua vida já desapareceu e é talvez a mais angustiante verdade do nosso tempo. É também por isso e pela dívida que temos com as novas gerações, que a palavra mais certa para assumirmos com frontalidade Hoje é Equilíbrio. Os sinais da disfunção social são tão preocupantes quanto o deslumbramento com que encaramos o Amanhã. Sair e falar, estar e conviver, como gestos simples que são, tornaram-se o bem mais “caro” das nossas vidas. É aí que devemos investir, independentemente de sermos mais ou menos digitais. Todos temos um papel a desempenhar no reforço da sociabilização para evitar o que a filosofa política alemã, Hannah Arendt descrevia como a “derrocada da esfera pública no mundo contemporâneo”.
Autor: Paulo Sousa