Aliás, no fundo, a criança não quer confiar nesses mistérios, mas sim nos seus pais. É sabido que, dentro de cada etapa do seu crescimento, as crianças têm um processo de amadurecimento diferente entre si, não havendo balizas estanques nem regras fixas, matematicamente iguais para todas, nos vários estádios etários. Quando a criança está convencida do mistério e os pais lhe dizem que tudo aquilo não existe, é como se furassem um balão em pleno voo.
A queda é livre… No entanto, lá chegará o momento em que perceberá por si só que os dentes caem naturalmente e que os correios não têm recursos suficientes para distribuir tantas prendas em tantas casas na noite de Natal! E os pais, se notam que a criança se aproxima desse momento e sofre com as tentativas de reconciliar a razão e o mistério, poderão proporcionar sempre uma aterragem suave e adequada, explicando-lhe que eles são como ajudantes do Menino Jesus, recordando aquele momento do aniversário do Seu nascimento.
No entanto, também pode correr bem, quando se espera que esse momento delicado chegue com naturalidade. Einstein dizia: “A mente intuitiva é um presente sagrado e a mente racional é um criado fiel. Desenvolvemos uma sociedade que honra o criado e que esqueceu o presente”. Matar a imaginação, a curiosidade e a criatividade de uma criança para inculcar nela, muito antecipadamente e contra a sua natureza, uma atitude razoável é típico de uma sociedade fria, cínica e calculista. Quer-se criar as crianças à nossa imagem. E porquê?
Por um lado, as imagens do mundo do marketing que chegam até as crianças e aos pais são cada vez mais agressivas. A criança é considerada como um adulto em ponto pequeno. Os miúdos aparecem, muitas vezes, nas capas das revistas, nos anúncios e nas séries escritas ilustradas ou televisivas com um ar de aborrecimento e de cinismo. Outras vezes, nomeadamente as crianças do sexo feminino aparecem em poses e com roupas que não correspondem à sua idade.
Por outro lado, a pressão do mundo competitivo e exigente e o desejo inato que todos os pais têm de ambicionar o sucesso dos seus filhos levam-nos, muitas vezes, a querer inculcar neles, antes de tempo, uma série de comportamentos e conhecimentos, sem perceber necessariamente que não correspondem ao processo de maturidade nem à ordem interior natural da criança.
Definitivamente, hoje em dia, existe um afã inexplicável em queimar etapas para que a criança demonstre características próprias do mundo adulto: na maneira de se vestir, de comer, na forma como se entretém ou como fala e como anda.
Expulsámos a criança do seu “jardim-de-infância”. Perdemos o pudor quanto às nossas condutas e conversas na presença da criança, deixamos que veja o que não deve, tiramos-lhe a aversão ao que é violento, nocivo e transmitimos-lhe uma virilidade e uma exigência descabidas e mal-entendidas. Até que deixe de ser criança, ela é e será sempre isto: uma criança.
Autor: Artur Gonçalves Fernandes