1 – Comecemos por uma anedota.
Um especialista em batráquios, no seu laboratório, fazia experiências com rãs. Em cima da banca, tinha uma rãzinha imóvel. Bateu as palmas e a rã saltou, como salta qualquer rã quando ouve um ruído estranho. Depois o cientista amputou a perna anterior direita da rã. Voltou a bater as palmas e a rã voltou a saltar. Repetiu a experiência com a perna esquerda dianteira e com a traseira direita. Ao bater das palmas, a rã, com dificuldade, saltava sempre. Restava agora, apenas, a perna traseira esquerda. O sábio bateu as palmas e a rãzinha, aflita, fez um esforço para se deslocar sobre a única perna que lhe sobrava e… conseguiu! Foi então o momento de amputar a última perna. Observador atento, o cientista amputou-a, de seguida bateu as palmas e a rã… não se moveu.
Conclusão que o sábio escreveu no seu caderno de notas: Quando se tira a uma rã a perna traseira esquerda ela fica surda.
2 – É uma conclusão semelhante a esta que estamos a ver e a ouvir insistentemente nas várias formas de comunicação social a propósito da vacina da AstraZeneca. Enquanto os técnicos, prudentemente, aguardam estudos mais aprofundados sobre possíveis efeitos nocivos e vão adiantando que, até agora, não são conhecidos – os não técnicos todos têm opiniões e as mais diversas (e parecidas com a história da rã).
De positivo, certo e objectivo o que se sabe é simples: no mundo inteiro, foram, até agora, inoculadas com aquela vacina 17 milhões de pessoas; dessas, 40 tiveram problemas de tromboembolismo, que provocou mesmo algumas (poucas) mortes.
Saber se adoeceram e morreram ou não por causa da vacina, isto é, estabelecer, ou não, um nexo de causalidade entre um antecedente (a vacina) e um consequente (a trombose) é uma tarefa e uma competência de técnicos e cientistas da matéria e não de plebiscitos pseudo-democráticos. É um problema exclusivamente científico, por cuja solução devemos, sensatamente esperar.
3 – Mas a par da questão científica, há uma outra, epistemológica. E é, sobretudo a essa que a comunicação social tem dado amplitude ao ouvir «opiniões gerais» que se podem resumir assim: Tomou a vacina da AstraZeneca. Depois teve uma trombose. Logo, a vacina provoca tromboses. É a lógica (?) da rã surda!
Mas é uma lógica muito presente no que vemos e ouvimos: o que está antes é sempre causa do que está depois; «antes de» quer dizer «por causa de»; e outros simplismos do género sempre muito dogmáticos e afoitos.
Ora «antes» não é sinónimo de «antecedente», nem «depois» sinónimo de «consequente». Só quando se consegue estabelecer, com clareza, o nexo de causalidade se pode falar em antecedentes e consequentes. Nesta relação de causa a efeito (ou de causa e efeito – como dizem as meninas da televisão), e só nesta, reside a lógica do conhecimento.
Deixemos à ciência o que é da ciência e deixemo-nos de dissertações leigas e generalistas que só distorcem a lógica e atropelam a epistemologia. E esperemos – e escutemos com atenção – a voz da ciência, porque não há pior ignorância do que aquela que se ignora a si mesma.
4 – Uma nota final. Na última crónica que aqui escrevi (As consequências das causas, 13/03/2021) na cerimónia de posse do Presidente da República, afirmei que o Presidente da Assembleia não saudara o ex Presidente Cavaco Silva. Ouvi mal. Não é verdade. Aqui corrijo o erro com as minhas desculpas ao Dr. Ferro Rodrigues, ao Diário do Minho e aos leitores.
Autor: M. Moura Pacheco
A rã surda

DM
18 março 2021