A problemática da defesa do consumidor tem várias décadas e assenta no pressuposto da existência de um desequilíbrio entre o profissional e o consumidor, em desfavor deste último, assumindo o Estado por diversas vias (a legislativa, nomeadamente) a intenção de o corrigir.
O Direito do Consumo nasceu e desenvolveu-se com o advento da sociedade de consumo, na segunda metade do século passado, aproveitando a conjugação de diversos fatores como sejam, o rápido crescimento económico verificado, a consolidação dos regimes democráticos e um sentimento de maior segurança nas relações internacionais.
A conjugação destes fatores contribuiu para o aparecimento de instituições dedicadas à proteção do consumidor, bem como de legislação em diversas áreas das relações de consumo, conferindo um conjunto de direitos aos consumidores (como seja as leis de defesa do consumidor; do crédito ao consumo, dos serviços públicos essenciais, das vendas à distância e fora do estabelecimento comercial, do regime das garantias na venda de bens de consumo, entre muitas outras).
Contudo, com a eclosão de crises à escala global - tenham elas origem em questões relacionadas com aspetos económicos, conflitos armados ou questões sanitárias - existe uma certa tendência para diminuir o nível de proteção do consumidor, privilegiando a salvaguarda dos interesses económicos das empresas e o funcionamento dos mercados. Quando muito, tomam-se algumas medidas para proteger os grupos de cidadãos mais vulneráveis, mais impactados por essas crises, sendo certo que a proteção do consumidor médio diminui. Desta forma, numa situação de crise, entre salvar as empresas em crise ou manter intocável o estatuto do consumidor, há uma tendência em favor das empresas, o que é de certo modo aceitável, porquanto o objetivo primordial subjacente é salvar a economia.
Isto foi particularmente evidente com a crise económica mundial de 2008, seja ao nível da legislação comunitária, seja ao nível nacional e voltou a acontecer novamente agora com a eclosão da crise pandémica de 2020.
Após a declaração formal da epidemia e do estado de emergência que se lhe seguiu, com a catadupa de medidas tomadas, muitas delas com reflexo direto nos direitos dos consumidores que foram efetivamente diminuídos. Ao nível dos exemplos, podemos apontar o que se passou com o cancelamento dos espetáculos de natureza artística, das viagens organizadas e das reservas em empreendimentos turísticos ou ainda das viagens de avião.
Efetivamente, em qualquer dos casos referidos, perante o incumprimento do promotor do espetáculo, ou do promotor da viagem organizada, ou ainda da companhia aérea, a consequência normal ditada pelos princípios gerais seria a imediata devolução dos valores pagos a título de preço pelo consumidor, e de uma eventual indemnização pelos danos sofridos. Mas no caso concreto da epidemia da doença Covid-19, a solução do legislador, tomada de forma precipitada, traduziu-se no reagendamento dos espetáculos ou das viagens. Claro que no caso das viagens aéreas, cujo regime consta de um Regulamento comunitário, o legislador nacional nada podia fazer, mas a própria Comissão Europeia veio emitir um Comunicado, em 18 de março de 2020, com orientações interpretativas relativas aos direitos dos passageiros no contexto da pandemia, designadamente considerando que as transportadoras aéreas não estão obrigadas ao pagamento de uma indemnização aos passageiros pelo cancelamento dos voos que se verificou, cancelamento esse que se ficou a dever a circunstâncias extraordinárias, previstas no Regulamento. Mesmo assim, muitas transportadoras aéreas não devolveram o valor das passagens aéreas aos respetivos passageiros no prazo máximo de 7 dias previsto no Regulamento, insistindo na emissão de vouchers aos passageiros. Aliás, ainda hoje existem milhares de consumidores que nada mais têm em seu poder, nos exemplos referidos, para além de um vale. Outros exemplos de redução efetiva dos direitos dos consumidores poderíamos dar no âmbito de outras áreas, como sejam os serviços públicos essenciais, a venda com redução de preços (saldos, por exemplo) ou o crédito à habitação, que, por falta de espaço ficarão para uma outra oportunidade.
Autor: Fernando Viana