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A proposta do novo estatuto do SNS

Ninguém terá dúvidas de que a criação do Serviço Nacional de Saúde (SNS) ocorrida no dia 15 de setembro de 1979, com a publicação da Lei n.º 56/79 em Diário da República que o institucionalizou, foi um marco de inquestionável avanço civilizacional.

Nas últimas quatro décadas, o SNS criou ganhos em saúde que colocaram o nosso país num patamar elevado no que diz respeito à qualidade de vida da maioria da nossa população relativamente a este importante parâmetro e reduziu imensas desigualdades.

Poder-se-á afirmar sem grandes dúvidas que o SNS, a par da instalação maciça de saneamento básico por todo o território e da modernização da rede viária do país, é a conquista mais relevante trazida pelo regime democrático decorrente da revolução de 25 de abril de 1974.

No entanto, ao longo dos anos tem tido altos e baixos decorrentes das várias experiências de modelos de gestão, da politização das suas estruturas e, sobretudo, do subfinanciamento crónico. As várias tentativas de melhorar o SNS não têm obtido resultados não só por estas razões, mas também porque se tem promovido um constante afastamento dos diversos profissionais nas tomadas de decisão.

A democraticidade que há muitos anos existiu com a eleição das direções técnicas nomeadamente a Direção Clínica e a Direção de Enfermagem foi substituída pela nomeação, destruindo-se com esta alteração um importante vínculo que contribuía para o fortalecimento do espírito de corpo das instituições hospitalares.

Ao mesmo tempo, têm sido experimentados diversos modelos de gestão sem que tenha sido feita uma cuidada avaliação de cada um deles. Do clássico modelo administrativo público, passando pelo de sociedade anónima empresarial, centro de responsabilidade integrada, unidade local de saúde, entidade pública empresarial e outros, têm sido várias as experiências que, atendendo à dimensão do nosso país, são excessivas e geradoras de clivagens e desigualdades entre pares.

Acresce que a atual lei de Bases da Saúde, por meras razões ideológicas, coloca o setor privado e social como simples apoio supletivo, não aproveitando convenientemente a capacidade aí instalada para colmatar as insuficiências do SNS com manifesto prejuízo das pessoas que, em algumas especialidades, aguardam consultas e cirurgias com tempos de espera perfeitamente inadmissíveis.

Como se tudo isto já não fosse bastante para repensar com cuidado toda a estrutura do nosso SNS, a pandemia que ainda vivemos veio expor ainda mais nitidamente todas as suas fraquezas e fragilidades. O desvio de recursos humanos para acudir a esta doença fez adiar milhares de exames, consultas e cirurgias, dificilmente recuperáveis em tempo útil, levando ao cansaço e desgaste dos profissionais que cada vez mais se sentem desmotivados.

O novo estatuto do SNS, agora posto à discussão pública, pouco traz de novidades e as que indica são pouco originais e até podem ser empecilhos importantes para a sua revitalização.

A reintrodução da Dedicação Exclusiva, agora apelidada de Dedicação Plena, não passa de uma medida já experimentada e que nada acrescentou à eficácia e desempenho das instituições. A ser de novo implementada, pode contribuir ainda de forma mais vincada para a fuga dos melhores profissionais para o setor privado e social, com maior prejuízo para o serviço público, que assim deixará de contar com os mais capazes.

A novidade de pretender instituir uma Direção Executiva para gerir o SNS é mais uma medida centralizadora, levará a mais burocracia e será mais um empecilho à tomada de decisões por parte das administrações que, na minha modesta opinião, carecem de mais autonomia.

Enfim, não será com a implementação deste novo estatuto que será possível reanimar um serviço público que tanto tem feito pela saúde dos portugueses.

Se houvesse coragem para recuar um pouco às origens reintroduzindo democraticidade na escolha das comissões técnicas, que voltariam a ser eleitas pelos pares, e se a nomeação dos dirigentes superiores tivesse apenas em conta critérios de mérito e qualidade, julgo que seriam dados passos importantes para reerguer o SNS, a par de uma revisão cuidadosa do seu modelo de financiamento.


Autor: J. M. Gonçalves de Oliveira
DM

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26 outubro 2021