A cidade galega de Ourense promoveu uma exposição intitulada In Tempore Sueborum,que agora encerrou ao público, a propósito da presença do povo suevo no noroeste peninsular entre os anos de 411 e 585.
Como sabemos, este povo, que veio de uma região próxima da Jutlândia, atual Dinamarca, com a decadência do império romano, ocupou a Galécia, depois de uma longa migração ao longo de toda a Europa central, tendo efetuado demoradas paragens na Boémia e Morávia.
Depois de atravessados os Pirinéus, rumaram ao noroeste peninsular e fixaram-se nas cercanias da Bracara Augusta, onde montaram corte em Dume. Aqui, Hermerico fundou o primeiro reino estável da Idade Média europeia, fazendo de Braga sede de uma nova realidade política que marcou o início da reorganização territorial do vasto domínio imperial romano, entretanto colapsado.
Fixados neste canto da Península Ibérica, criaram raízes, lançaram estruturas, aproveitaram-se do que os romanos tinham feito, particularmente na área das comunicações (estradas, pontes, aquedutos...), e, com o tempo, Requiário, filho de Réquila, abraçou o cristianismo pela mão de Balcónio, por volta do ano 448. Infelizmente, a historiografia universal continua a conferir o pergaminho da primogenitura à França de Clóvis e S. Remígio, cuja conversão se deu 48 anos depois.
Tanto é certa esta conversão de Requiário, que o rei godo Teodorico – que tinha a corte em Toledo – veio dar batalha ao novel cristão. Derrotou-o próximo de Astorga, obrigando-o a refugiar-se em Braga, cuja assolação, segundo Idácio de Chaves, lembrou a destruição de Jerusalém. Por fim, vencido e capturado, Requiário foi morto na sua própria capital. E assim, por mais cem anos, os suevos permaneceram sob a heresia ariana.
Mas eis que surgiu S. Martinho de Dume, vindo da longínqua Panónia, uma região da atual Hungria, o qual, ao almejar a cura miraculosa do príncipe, conseguiu a conversão definitiva do povo suevo na pessoa do rei Carriarico, em 550.
Já com a liturgia suévico-bracarense consolidada no terreno, da qual resultou o singular rito bracarense, em 583, o rei Miro, por certo com as bênçãos do arcebispo Pantardo, à frente de um exército galaico-suevo, partiu em socorro dos cristãos da Andaluzia que estavam a ser perseguidos pelos arianos.
Pouco mais tempo duraria o reino suevo, porque, em 585, Leovigildo derrotou Andeca e anexou o seu território ao reino toledano dos visigodos, que viriam a converter-se apenas em 589.
Afora estas questões religiosas, convém saber que Requiário cunhou moeda em Braga com símbolos reais, numa clara manifestação de um poder político consolidado e independente de Roma ou de qualquer outro povo bárbaro.
Concomitantemente também se deve depreender que os suevos são o primeiro povo bárbaro a edificar a primeira basílica cristã pós-romana, cujas ruínas se podem ver numa espécie de cripta da igreja paroquial de Dume, onde de resto também se encontra o magnífico sarcófago bizantino de S. Martinho de Dume.
Após 174 anos de domínio suevo no ocidente peninsular, ainda que a influência se possa prolongar até à devastação da Galécia pelos mouros (714 d.C.), seguramente que a presença deste povo deixou muitas marcas culturais no território, tanto mais que uma outra tribo germânica, que fazia parte da grande nação sueva, se fixou para sempre nas altas montanhas do Gerês. Referimo-nos aos búrios, de cujo nome derivou o topónimo Bouro.
A exposição a que me referi no início deste artigo, In Tempore Sueborum,e que esteve patente em três núcleos museológicos do casco histórico da cidade de Ourense, no seu conjunto, exibiu 262 peças de todo o género, desde jóias a utensílios e ferramentas, sendo que 83 foram cedidas pelos nossos museus Pio XII e D. Diogo de Sousa.
Em resumo: Braga foi ópido dos bracari, capital da Galécia romana, sede do primeiro reino cristão da alta Idade Média e origem de um movimento político que substituiu paulatinamente, no tempo e no espaço, o poder imperial de Roma.
Por tudo isto, e por muito mais que não cabe nesta crónica de circunstância, resta pedir a quem de direito para que desenvolva as diligências necessárias para que esta exposição excecional venha a Braga e aqui permaneça um bom par de meses.
É tempo de todos reclamarmos um maior investimento no património histórico, mítico e simbólico da mais velha cidade de Portugal e de uma das grandes legendas humanas de uma velha Europa que teima em desconhecer-nos. Mas se nós nos ignorarmos a nós mesmos...
Todavia, Ourense pôde. Porque não podemos nós?
Autor: Fernando Pinheiro