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A propósito da finalidade última do exercício da política, em Atenas

Sendo a democracia, como vimos, um regime em que o poder está nas mãos dos mais pobres, porque são em maior número, paradoxalmente, hoje, são estes cidadãos, os mais pobres de entre os pobres, que se sentem excluídos e impotentes para operar uma mudança qualitativamente credível do regime democrático.

Esta forma de organização das pessoas em sociedade é uma característica identitária em que se funda o Ocidente humanista, herdeiro de Roma e da Filosofia Grega e da tradição judaico-cristã. Tem sido esta organização política a melhor forma de promover a dignidade humana que irradia da humanitas, que é comum a todos os seres humanos, independentemente da sua crença religiosa, raça ou fortuna de vida.

Sente-se, é perceptível que esta matriz política fundadora se foi degradando, mais nuns países que noutros. Em consequência, tem vindo a ser preterida a busca constantemente inquieta do bem comum: «em todas as ciências e artes, o fim em vista é um bem. O maior bem é o fim visado pela ciência suprema entre todas, e a mais suprema de todas as ciências é o saber político. E o bem, em política, é a justiça que consiste no interesse comum», escreve Aristóteles, no Livro III do seu tratado da Política (1282b15). Para logo de seguida rematar: «a opinião geral é de que a justiça consiste numa certa igualdade… dizem que a justiça é relativa a pessoas e que deve existir igualdade para iguais».

Ora, segundo Aristóteles, «o homem é, por natureza, um animal sociável», pois não foi em vão que a natureza, entre todos os animais, o dotou de uma voz, da fala: «a fala destina-se a declarar o que é útil e o que é prejudicial, assim como o que é justo e o que é injusto. Essa característica é própria do homem, perante os outros animais; consiste em ser o único que tem o sentimento do bem e do mal, da justiça e da injustiça, e assim por diante.

É a comunidade desses sentimentos que produz a família e a cidade» (Política, 1253b8-16). Pode inferir-se assim, conforme o pensamento deste filósofo, que «a cidade, enfim, é uma comunidade completa, formada a partir de várias aldeias», as quais são consideradas a primeira comunidade «formada por várias famílias» (Política, 1252b1-27).

Logo, se «a cidade é uma certa forma de comunidade e que toda a comunidade é constituída em vista de algum bem», então é natural esperar que os cidadãos, na sua acção e enquanto membros individuais dessa comunidade, também «visam o que pensam ser o bem», como se escreve logo na abertura do Livro I deste tratado aristotélico. Em conclusão, «a cidade é constituída pela comunidade de Famílias em aldeias, numa existência perfeita e auto-suficiente; e esta é, em nosso juízo, a vida feliz e boa» (1281a), isto é, uma vida pautada continuamente pelo discernimento do Bem.



Autor: António Maria Martins Melo
DM

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4 março 2017