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A propósito da Catalunha

Aquestão catalã é, evidentemente, do foro interno da Espanha. E sendo, no essencial, uma questão política, devem os demais Estados respeitar integralmente a soberania nacional, no quadro da Constituição e das leis do país. Mas, se essa é a atitude sensata, prudente e desejável no plano das relações internacionais, particularmente por parte dos países vizinhos que, como o nosso, mantêm com Espanha laços históricos de profunda amizade e importantes relações económicas e diplomáticas e que também com ela comungam a pertença à União Europeia, tal não deve impedir-nos de um debate sereno e plural sobre o tema. E isso não apenas porque o salutar confronto de ideias é susceptível de contribuir para o aprofundamento da democracia, como também por se revelar útil para a resolução de idênticos problemas que existem noutros países e para aperfeiçoar os regimes constitucionais neles vigentes. Em Espanha vigora, como se sabe, um regime monárquico, regulado por uma Constituição que foi aprovada em 1978, através de um referendo nacional que foi votado favoravelmente por 91,81% dos espanhóis, sendo certo que, na Catalunha, a percentagem da votação foi sensivelmente idêntica à da média nacional – 90,46 %. Entre as normas fundamentais então consagradas constam as que estabelecem “a indissolúvel unidade da Nação espanhola, pátria comum e indivisível de todos os cidadãos espanhóis” e reconhecem e garantem o direito à autonomia das nacionalidades e regiões que a integram, com o correspondente dever de solidariedade entre todas elas, nomeadamente quanto a aspectos fiscais. Significa isto que, para além da Monarquia ter ganho legitimidade democrática, a Espanha ficou constitucionalmente reconhecida como “Pátria comum de todos os espanhóis”, onde cabem de pleno direito as Autonomias. É claro que as Constituições podem mudar e que elas próprias contêm regras para a sua revisão. E a espanhola não é excepção: a revisão carece de ser aprovada por dois terços dos membros das duas câmaras das Cortes – Congresso de Deputados e Senado – e ratificada, depois, por referendo nacional, não sendo admitidos referendos regionais ou locais. E também é certo que há determinadas questões, como aquelas que os nacionalismos levantam, que devem ser enfrentadas com prudência e coragem pela complexidade e enormes dificuldades que envolvem. E seja qual for a grandeza do problema, a ideia que deve prevalecer é a de que em democracia não deve haver tabus. Assim sendo, estando fora da questão catalã o recurso à força para reivindicar o direito à auto-determinação e à independência, como o próprio movimento independentista faz questão de sublinhar a cada passo, parece-me que a chave da solução política e constitucional terá de passar, em primeiro lugar, por um grande debate que envolva todos os povos de Espanha, seguido de um referendo nacional que permita recolher o pensamento maioritário sobre a matéria. Se a Lei Fundamental do país foi referendada por todos, por todos deverá também ser referendada uma alteração que mexe com matérias de primeira importância: a da soberania e independência nacionais. Por outro lado, dada justamente a transcendência e a sensibilidade deste assunto, afigura-se-me também que, a ser admitido na Constituição um referendo regional para decisão sobre a independência nacional de uma qualquer região do país, haveria de consagrar-se a necessidade de uma maioria qualificada, por forma a evitar-se que uma parte pouco significativa dos eleitores possa confundir-se com a voz do povo. Num mundo cada vez mais interdependente e, em particular, numa Europa que se pretende mais solidária e em que o federalismo parece ganhar cada vez mais adeptos, custa a crer que alguns nacionalismos emergentes, geralmente em regiões mais ricas, justifiquem a sua pretensão de independência com o fundamento egoísta (e algumas vezes falso) de contribuírem fiscalmente mais do que outras regiões. Felizmente, a Espanha é um grande país, com uma democracia consolidada e com uma Constituição que, apesar de qualquer imperfeição, até confere ao povo o direito de rever a forma de regime: a Monarquia pode ser substituída pela República, coisa que, por exemplo, a Constituição da República Portuguesa não admite, ao consagrar, no art.º 288.º, al. b), a forma republicana de poder como limite material de revisão constitucional. E acredito, por isso, sinceramente, que vai ser capaz de encontrar a melhor solução para, no respeito da diversidade das línguas, culturas, autonomias e nações que a formam, consagrar, na adequada fórmula constitucional, a casa comum que a todos albergue, sem muros de qualquer espécie e na qual vingue um espírito de verdadeira fraternidade.
Autor: António Brochado Pedras
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3 novembro 2017