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A política, a ética e a opinião pública

Desta vez sucedeu “extra-muros”. Algo mais longe do nosso retângulo luso, de Bruxelas chegam-nos notícias da detenção, e posterior prisão preventiva, de uma “notável” deputada do Parlamento Europeu, por suspeitas de corrupção, a grega Eva Kaili, que ocupava um dos lugares na vice-presidência desta instituição. Apanhada em flagrante delito, Eva Kaili viu-se privada da liberdade, tal como ainda algumas figuras do seu círculo de amizade, familiar, política e profissional, sendo que a este conjunto de personagens, está imputada a posse, mal justificada, de milhão e meio de euros em dinheiro vivo. Reagindo célere a esta pesada mancha, os socialistas europeus e os gregos expulsaram das suas fileiras a agora inominável figura.

O Catar, de tão célebre, recentemente, pela organização do Mundial de Futebol e pelo muito gás que promete vender a uma Europa carente deste produto natural, impõe com alguma naturalidade, ousadia e despudor perante a ética, o poder do muito dinheiro de que dispõe. Alegadamente, terá também corrompido Eva Kaili.

Na apreciação comum, a intervenção política cidadã no plano nacional surge hoje com défice de credibilidade, nomeadamente pela regular emersão junto da opinião pública de fenómenos de corrupção envolvendo políticos profissionais. Agora, no coração da União Europeia, que se pretende farol democrático para o mundo, surge uma mancha de alto quilate. Como bem expressou a presidente do PE (Parlamento Europeu), Roberta Metsola, o caso de Eva Kaili assume-se num ataque à democracia europeia.

As teias da corrupção estendem-se por um universo alargado, percebemos todos pelos noticiários. Mas quanto maior a profusão de casos de corrupção envolvendo densas figuras do palco político mais cresce o pasto para alimentar os populismos, à esquerda e à direita. Todavia, sabemos bem, nas ditaduras e nos regimes autoritários este fenómeno pode expressar-se de forma ainda mais desabrida, porque os mecanismos de controlo das altas esferas do poder se encontram bem mais fragilizados.

Valha-nos nas democracias a investigação policial e a ação da Justiça para diminuírem, mediante a repressão e o medo das consequências para os apanhados nas teias da lei, a prodigalidade destes fenómenos. Importante, a montante, afigura-se a educação dos jovens para uma cidadania democrática, na qual sejam valorizados particularmente a res publica ou o bem público, enfatizando-se o quão importante é participarmos, de forma ativa, na vida política, almejando-se assim um estado mais eficaz.

A vida partidária, designadamente no nosso país, mas também um pouco por todas as geografias, desenvolve-se entre muros apertados, distribuindo-se os cargos políticos a partir de um universo limitado de escolhas. Os anos de militância partidária, ou a notoriedade mediática alavancam muitos candidatos para os lugares políticos mais disputados, sendo que de tais vias não resultam necessariamente meritórios servidores da causa pública. Eva Kaili, antes de se tornar política de relevo destacara-se como figura televisiva, beneficiando, à sua escala, de um processo que catapultou outras figuras internacionais para a primeira linha, como sejam os bem conhecidos Donald Trump e Sílvio Berlusconi (os quais, arrisco, não irão deixar uma imagem benigna nas páginas da História). Pela positiva, podemos ceder que a televisão também pode exponenciar o mérito de ilustres personagens ou fabricar novos notáveis para a cena política democrática (retenha-se o caso de Volodymyr Zelenski).

A televisão (os media em geral) faz e desfaz facilmente, impõe ainda dizer-se. Sabemos que aquele(a) que cair nas páginas negras dos noticiários, ainda que posteriormente venha a ser inocentado pelos tribunais, com muita dificuldade reconstruirá a sua imagem no sentido do pundonor ou do mérito público. Porventura, esta é também uma das razões por que a atividade política (exigente) cria alguma urticária a muita gente de bem e de grande mérito, enquanto alguns arrivistas destemperados estão mais dispostos a tentarem o bom acolhimento dos eleitores. Shakespeare explica isto bem melhor nos muitos dramas que construiu sobre um mundo e um tempo que já passaram. Necessitamos agora de muitos atores, de muitos candidatos que se disponham a ganhar o lugar em peças (a ação política) de reconhecido sucesso!


Autor: Amadeu J. C. Sousa
DM

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16 dezembro 2022