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A pegada

Educar está cada vez mais difícil. Enquanto professor, tenho sido um privilegiado, porque tenho tido, genericamente, alunos comprometidos com a minha ação profissional. Alunos e atletas que se vão disponibilizando para fazer “acontecer”. Mas sinto, em muitas situações, em muitos momentos, que a ação dos professores, das autoridades, dos pais, está cada vez mais difícil. De quem é a culpa? As crianças, hoje vivem sozinhas, mas sem autonomia. A sua atividade é preenchida no tempo, mas vazia na responsabilização. As relações interpessoais são mais bonitas, porque é tudo mais floreado, pelo menos nas redes sociais, mas pouco intensas e, quase, descartáveis. As crianças não se podem sujar, nem participar no recreio, nem suar. As crianças são deixadas literalmente à porta da escola, porque é muito perigoso passar a passadeira, porque um outro pai decide estacionar em cima dela, para deixar o seu filho. As crianças não participam na Educação Física porque os seus encarregados de educação lhes permitem pedir “dispensa”, só porque a seguir têm que tomar banho. As crianças hoje não podem ser sujeitas à pressão de fazer alguma atividade que exija esforço, empenho, mérito, porque ainda podem sair traumatizadas. Hoje as crianças têm direito à diversão. Hoje, as crianças sentam-se no sofá, porque têm que ter tempo para descansar da azáfama das atividades. Não saem de casa porque os vizinhos são todos desconhecidos e potencialmente perigosos. Bebem bebidas açucaradas para ganhar energia que, não, gastam. Comem o que lhes apetece porque, não há tempo para fazer refeições equilibradas. Não comem sopa, porque não gostam. Saem da mesa quando quiserem, para não perder tempo, com coisas fúteis como “estar à mesa com os seus familiares”. As crianças, coitadinhas, não têm tempo para pensar, alguém terá que se desdobrar para as orientar. Dá muito trabalho fazer o saco para a Educação Física e para o treino (os pais que o façam). Hoje, as nossas crianças são muito melhores que as outras crianças. Aliás, se não conseguirem ter boa nota, a culpa é do “professor, que está a exigir de mais”. Se não conseguir ter lugar na equipa, a culpa é do treinador, que “não percebe nada daquilo”. O que não pode fazer é birras e chorar, pode traumatizar… Temos uma das mais baixas taxas de prática desportiva de toda a Europa. Temos cada vez mais dificuldade em fazer entender a qualquer pai/mãe, que a importância de lutar por um objetivo é fundamental para a estruturação cognitiva e emocional. Fazer perceber que para qualquer ato existe uma consequência. Que o respeito pela autoridade é fundamental para perceber os limites das nossas ações. Que o suor, a entrega, a dedicação, a solidariedade, a autonomia e a responsabilização são aspetos extraordinariamente importantes para fazer crescer uma criança. Enquanto a sociedade não entender a importância de que todas as crianças e jovens devem ser ativos, diariamente ou quase todos os dias, requerendo níveis de exercício entre o moderado e vigoroso. Enquanto não entenderem o valor do Desporto. A pegada desta indiferença é ou será demasiado pesada no futuro. A propósito da semana Europeia do Desporto: é preciso fazer algo…
Autor: Carlos Dias
DM

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28 setembro 2018