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A Paz: a força de uma ideia!

Nesta quadra festiva, tive a oportunidade de ver um filme que recria de forma maravilhosa a lenda do Pai Natal, intitulado “Klaus”. Trata-se da primeira animação original da Netflix, uma comédia e aventura, que transporta o espectador para Smeerensburg, uma pequena aldeia do Círculo Polar Ártico. O ódio ancestral entre duas famílias, os Krum e os Ellingboe, transformou a vida naquela remota ilha num ambiente infernal; respirava-se um ar depressivo, em cores de um cinzentão medroso! Até que um dia a transformação havia de chegar através de um improvável forasteiro: Jesper, um aprendiz de carteiro mimado. O pai, o dono dos correios, envia-o para ali com uma missão implacável: ou Jesper enviava, no prazo de um ano, seis mil cartas desde essa ilha ou era deserdado. Nesta aldeia, o protagonista vem a descobrir dois personagens singulares, que muito o ajudariam no sucesso da sua missão: Klaus, um velho e misterioso lenhador, artesão de brinquedos, e a brilhante Alva, uma professora desiludida, sem alunos, que se viu obrigada a ser vendedora de peixe, para juntar uns trocos para rapidamente abandonar aquele lugar. Uma amizade inesperada entre os três personagens vai transformar a vida daquelas pessoas, fazendo-as reviver o espírito natalício cheio de alegria e de esperança. O que só foi possível graças ao fim das hostilidades que dividiam aqueles dois clãs familiares. O mesmo é dizer, só em Paz foi possível dar vida ao Amor e à Solidariedade, o mesmo é dizer, ao espírito fraterno, «projecto inscrito na vocação da família humana», para citar as palavras do Santo Padre, a partir da sua mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2020. Ora os frutos desta força mobilizadora da Paz, capaz de trazer à sociedade humana dinâmicas de prosperidade espiritual e de abundância material, encurtando distâncias entre ricos e pobres, nomeadamente através do elevador social, foram deixando a sua marca ao longo da história. Um dos testemunhos mais vigorosos do que se acaba de dizer pode colher-se na história da Roma Antiga, no longo período que ficou conhecido por Paz Romana, e se estende sensivelmente ao longo dos dois primeiros séculos da nossa era. Do início dessa época data a construção de um templo único que atravessou os séculos e chegou até aos nossos dias, o Ara Pacis Augustae («O Altar da Paz de Augusto»), inaugurado pelo Senado no ano 9 a. C., com a finalidade de celebrar a paz restaurada por César Octávio Augusto. Foi por isso que o Senado, durante o principado de Augusto, mandaria encerrar as portas do templo de Jano Quirino por três vezes, um costume dos antepassados «quando em todo o Império a paz tinha sido restabelecida em terra e no mar por meio da vitória», como se pode ler na inscrição conhecida por Res Gestae Divi Ausgusti (“Os Feitos do Divino Augusto”). Se recuarmos um pouco mais no tempo, cerca de quatro séculos, um novo exemplo e eloquente dos benefícios da Paz. Estou a pensar na comédia de Aristófanes, Os Acarnenses, que subiu ao palco em 425 a. C., estava em curso a Guerra do Peloponeso (431-404 a. C.), que opunha os Atenienses aos Espartanos, de má memória para aqueles, que haviam de suportar o governo dos Trinta Tiranos, impostos por Esparta. O espírito pacifista desta peça expressa-o bem o Coro: a guerra «é como um bêbado, um estroina, que se mete numa casa onde reina a felicidade e só arranja sarilhos». Esta comédia termina com a vitória da Paz e os frutos da prosperidade que daí advêm, num quadro de abundância na casa do velho camponês Diceópolis, que festeja com a população de Acarnas, o maior demos da Ática e o mais sacrificado com a guerra. Tudo isto vem a propósito do Dia Mundial da Paz, que se celebrado no primeiro dia do Ano Novo. E nós, os Europeus, temos bons motivos para o celebrar: o projecto em construção da União Europeia muito deve ao período de Paz que se tem vivido depois da Segunda Guerra Mundial. É por isso que «não podemos permitir que as actuais e as novas gerações percam a memória do que aconteceu, aquela memória que é garantia e estímulo para construir um futuro mais justo e fraterno», como afirmou o Papa Francisco em Hiroxima, no Japão, a 24 de Novembro do ano passado, em frente ao Memorial da Paz daquela cidade.
Autor: António Maria Martins Melo
DM

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4 janeiro 2020