A pandemia da COVID-19 tornou-se, num período de tempo relativamente curto, no fenómeno mais relevante do mundo contemporâneo. Quando o problema de saúde pública, à escala planetária, parecia estar solucionado com a elaboração das almejadas vacinas, eis que surgem novas estirpes do coronavírus, com elevado índice de transmissibilidade, mais resistentes às vacinas e portanto potencialmente mais letais.
Os laboratórios das grandes companhias farmacêuticas mundiais irão produzir, com a rapidez possível, vacinas eficazes contra as novas estirpes do coronavírus. A ciência e tecnologia médico-farmacêuticas irão possibilitar mais uma vez que os povos de todo o mundo não se afundem numa tragédia sem fim à vista. As mortes, os horrores, os sofrimentos, as sequelas orgânicas e psíquicas e os prejuízos morais e materiais causados pela pandemia constituem páginas tenebrosas da história do mundo contemporâneo.
As vacinas até agora produzidas não são absolutamente eficazes e perdem parte da sua acção preventiva com o decorrer do tempo, mas estudos científicos têm demonstrado que os seus benefícios são incontestáveis: evitam as patologias graves provocadas pelo vírus e evitam por conseguinte milhões de mortos e contribuem de modo decisivo para que os serviços de saúde não sofram colapsos catastróficos.
As manifestações multitudinárias e por vezes de grande violência que têm ocorrido em diversos países contra as vacinas carecem de racionalidade e de razoabilidade e parecem ser a expressão de pulsões anárquicas que ameaçam a paz interna de muitas sociedades. A obrigatoriedade da vacinação origina problemas religiosos, morais, jurídicos e políticos de inquestionável complexidade e só deve ser adoptada pelo poder legislativo e pelo poder executivo dos Estados como a última ratio no diferendo com os chamados negacionistas das vacinas. Se a percentagem da população não vacinada for anomalamente alta, constituindo objectivamente um grave factor de risco para a restante população ou se os sistemas de saúde, nomeadamente os serviços hospitalares, entrarem em disfunção e em previsível colapso, o Estado tem legitimidade para tornar obrigatória, de modo directo ou indirecto, a vacinação, sobrepondo o fim maior da salvação pública a alguns argumentos porventura parcialmente justos e pertinentes dos movimentos negacionistas. O que se torna indubitavelmente necessário é que os problemas sejam analisados de modo racional e fundamentado, sob os pontos de vista médico, ético e jurídico, evitando as confrontações violentas nas ruas.
As restrições às liberdades dos cidadãos impostas pelo poder político têm de ser equilibradas, proporcionadas e justificadas com clareza e coerência. É fundamental que essas restrições às liberdades possam ser confundidas com instrumentos de políticas tendencialmente totalitárias, como tem sido afirmado por sectores mais radicais do movimento negacionista. Os governos e os parlamentos têm de adoptar e pôr em prática estratégias de comunicação, fundadas no conhecimento científico e na análise rigorosa dos problemas sociais e económicos, capazes de contraditar a cartilha obscurantista do negacionismo.
Autor: VÍTOR AGUIAR E SILVA