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A «Novafala»

Com surpresa e indignação, tomei conhecimento de que o Conselho Económico e Social (CES) se propõe elaborar um dicionário com um vocabulário por si inventado que se destina a, nos documentos oficiais, usar uma «linguagem inclusiva» (seja lá isso o que for) com um léxico novo e diferente do velho português. Isto é: propõe-se «inventar» uma nova língua e abolir (e, se calhar, no futuro, proibir) a velha. A surpresa vem de dois lados. Por um lado, considero o actual presidente do CES um homem superiormente culto e politicamente equilibrado, não percebendo, por isso, que ele pactue com semelhante delírio. Por outro lado, não sabíamos da competência funcional do CES em matéria de língua, linguística ou linguagem. A indignação também tem duas fontes. A primeira é a da arrogância pesporrente do CES ao meter a foice em seara que lhe é completamente alheia, quer do ponto de vista funcional, quer do ponto de vista técnico. A segunda é a do ridículo do pretensiosismo da iniciativa, a avaliar pela amostra que me foi facultada. Apenas a título de exemplo: em vez de «desempregados» deve dizer-se «população desempregada»; em vez de «gestores» deve dizer-se «população gestora»; e, em vez de «trabalhadores» deve usar-se a expressão «população trabalhadora» etc. A lista é enorme (pretende ser a base de um novo dicionário) e impossível de reproduzir aqui. Mas pelos exemplos que aí ficam se pode avaliar o resto… O que é curioso é que esta inovação que se pretende «inclusiva» ponha tudo no feminino. É tudo população… Esta intelectualidade pacóvia (nem por ser pacóvia é menos ofensiva da cultura em geral e da língua materna em especial), pela sua analfabeta arrogância impositiva, imediatamente me trouxe à memória um livro que lera há muitos anos, o «1984» de George Orwell. E logo corri a relê-lo. Também aí, na sociedade imaginária que o autor criou, a revolução de desumanização do humano através de um totalitarismo absoluto, começa pela desconstrução da língua tradicional e usual e pela arbitrária invenção de um «Dicionário da Novafala», politicamente correcta. Uma das personagens encarregadas desta tarefa, prosélita e fanática da sua missão, diz, a páginas tantas ao seu céptico interlocutor: «Não vês que a ideia por trás da novafala é limitar a extensão do pensamento? ». E a rematar o seu inflamado discurso: «Ortodoxia significa não pensar, não precisar de pensar. Ortodoxia é inconsciência.» Atrevo-me a sugerir aos ilustres membros do Conselho Económico e Social a leitura desta obra ímpar de George Orwell. E ao seu presidente que a releia porque, certamente, já a leu há muitos anos. E, provavelmente, já esqueceu. Aí verão ao que a construção de uma sociedade permanentemente vigiada por um «grande irmão» começa pele invenção de uma nova língua politicamente correcta. Que, por sua vez, levará, como mostrou noutra obra célebre o mesmo autor ( A Quinta dos Animais), ao triunfo dos porcos.
Autor: M. Moura Pacheco
DM

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19 maio 2021