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A nossa rocambolesca Guerra

Pensei escrever uma estória que li em um livro da guerra colonial. Dado o seu conteúdo, achei que era um bocado rocambolesca, isto é, fora do normal, mais ou menos a “pisar o risco vermelho”.

A guerra de África, como a própria HISTÓRIA, não escapa a este epíteto; ela não deixa de estar cheia de peripécias. E começo por uma frase talvez imprevisível e que me veio à cabeça: “Salazar tem uma semelhança com D. Afonso Henriques, o nosso primeiro rei: nenhum deles pôs alguma vez os pés em Angola!!! (Risos?! Espanto?! Humor com questões (in)delicadas?!).

Para o ditador, o nosso país começou com o primeiro rei de Portugal. Tanto assim, que o Estado Novo fez erigir em Luanda uma estátua de D. Afonso Henriques, a qual tem na base uma pedra ida do castelo de Guimarães. A inauguração data de 1938. É por demais sabido que Salazar nunca pôs um pé em Angola (nem em qualquer outra das por ele designadas “províncias ou parcelas do território, do “seu” Portugal).

A integridade pluri-continental e pluri-racial do seu país era intocável, era inegociável. O ditador rejeitou várias oportunidades dos Indianos para negociar uma transição pacífica dos territórios ocupados por Portugal. Deu ordens bem explícitas às nossas tropas para não se renderem. Só as admitia vitoriosas ou mortas. Era seu comandante Vassalo e Silva; o general “decidiu” a rendição. Por ela “pagou” a expulsão das Forças Armadas. Foi nelas reintegrado a seguir ao 25 de Abril de 1974.

Mas… passemos à época de 1961 a 1974, o tempo da guerra colonial.

A História (no seu todo ou em cada uma das suas partes) foi, é, será sempre conduzida pelos que têm na mão o poder. São eles que governam, que mandam. E assim terão de ser vistos. E terão sempre inevitavelmente apoiantes e opositores, por mais ditador ou por mais democrático que seja o regime.

Quem bateu com os costados na guerra dita colonial, por norma assume-o. Obedeceu, embora obrigado e contrariado. Fomos (quase) todos voluntários à força. Em teatro de guerra, soía dizer-se: “de soldado a capitão, todos somos carne para canhão”. É uma História que nunca será objectivamente conhecida ou escrita. Há segredos e situações, factos que ficarão no segredo dos deuses que a comandavam «per omnia saecula saeculorum».

Na actualidade ouvem-se as vozes daqueles que optaram por fugir ou desertar das fileiras. É uma «realidade ainda não estudada a deserção no quadro da guerra colonial (1961-1974). Trata-se de uma questão ainda pouco explorada. Há lacunas históricas. Haverá um número relativamente significativo de desertores e refractários. "O país ainda não absolveu os desertores da guerra colonial».

Segundo dados de dois historiadores de Coimbra, entre 1961 e 1973, mais de 8 mil rapazes desertaram para não irem à guerra colonial.

Dos três teatros de guerra em África, a Guiné foi, sem qualquer sombra de dúvida, o mais temido, o mais terrível, o mais horrível, o mais mortífero. O próprio clima tinha o seu quê de agressivo. A humidade e o calor tropicais, que estavam na origem da densa selva típica eram o primeiro obstáculo a enfrentar. As chuvas aumentavam a água dos rios e tornavam mais alagadas as bolanhas (pântanos) que abundavam; e tornavam mais difíceis as deslocações por terra, fossem elas apeadas ou em viaturas.

Eu, embarcado no Uíge, “caravela” do século XX, seguia “rumo ao sul”, com destino a Angola. Quando passei em pleno alto mar, ao sentir aquele ar quente e húmido, tive a certeza que estava a passar no Golfo da Guiné. E lamentei a má sorte dos que eram “desterrados” para o mais ardente inferno da guerra.

De “Metralhadoras Cantam” (Manuel Alegre): «Cantam granadas a canção da morte // E há uma rosa de sangue à flor da terra // Morrer ou não morrer é uma questão de sorte // Metralhadoras cantam a canção da morte».


Autor: Bernardino Luís Costa
DM

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30 dezembro 2021