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A nossa realidade familiar hoje

Penso que a razão primordial do desentendimento de muitos casais reside na ausência de sensibilização e compreensão, de tolerância e cumplicidade para uma vivência a dois; e, deste modo, quer ela, quer ele não sabem ou não querem, pura e simplesmente, viver em comum.

Casar ou constituir família, para além de unir corpos é, antes e essencialmente, conjugação de espíritos, vontades e sentimentos; e a tolerância, a abnegação, a solidariedade e o altruísmo são qualidades que o casal tem de cultivar e desenhar, assiduamente, na sua relação, a fim de afastar os riscos da inadaptação e, consequentemente, do fracasso.

E se derrotas e vitórias, sorrisos e lágrimas, tristezas e alegrias acontecem no dia-a-dia do casal eles têm de ser sofridos ou gozados a dois; e, obviamente, repartidos, partilhados e aceites corajosamente como evidência salutar e óbvia de uma vida em comum.

Longe vai, é claro, e por muitas razões, o tempo da condição e espírito das mulheres, nossas mães, das décadas de 30, 40 e 50 que eram, essencialmente mulheres mães e mulheres-esposas, quase sem tempo para serem mulheres-mulheres; e costumo dizer que, apenas, me lembro de ter levado em criança ralhetes e tabefes da mãe, porque o homem, o pai era a imagem do trabalho, da vida fora de casa, da segurança da família.

Recordo, a propósito, um texto do meu livro de leitura da primeira classe:

O Mário e a Fernanda vão para a janela esperar o pai que vem do trabalho. Quando o avistam ao fundo da rua, gritam para a mãe que está na cozinha:

Mãezinha, já pode tirar a sopa. O paizinho vem aí.

Quando o pai entra, os pequenos abraçam-no e beijam-no, cheios de alegria.

  • Vem muito cansado, paizinho? – pergunta a Fernanda.

  • Sim, trabalhei muito e venho cansado. Mas pensava em vós e dizia para comigo: – É para os meus filhos que eu trabalho e Deus me ajude a criá-los.

Hoje, a mulher que casa e deseja constituir família a sério, ao ter de acumular as funções de mãe, esposa, trabalhadora e ainda de mulher-mulher, das duas, uma: ou o homem que escolheu será também, para além da sua vida profissional, pai e esposo ou, então, sujeitam-se a não serem uma verdadeira família e a deixarem o barco soçobrar.

Acho mesmo que o futuro êxito ou inêxito da relação dos jovens casais está muito dependente da forma como o homem assume o seu papel na família; sobretudo, como souber partilhar e participar nas tarefas domésticas despido de preconceitos bacocos, ignorando chavões feitos de afirmações machistas e superioridades descabidas, seja de que natureza elas forem.

Agora, temos que ter bem presente que, no fundo, a estabilidade do lar, o entrosamento relacional e afetivo, a criação e educação dos filhos passam pela harmonia e coesão nas relações do casal; e, se hoje vemos ruir por todo o mudo os sistemas políticos onde a célula familiar não é tida em conta como pilar fundamental e valor primordial de progresso e bem-estar da sociedade, é este o momento certo para refletirmos sobre a realidade familiar do nosso país; pois, diariamente, já vamos assistindo a conflitos, violência, separações e divórcios entre jovens casais fruto das dificuldades que a vida lhes desenha e, quer profissional ou vivencial, quer gestionária ou cultural.

Com a certeza que tenho de que nessa reflexão a primeira palavra cabe aos governantes, políticos, organismos públicos e privados competentes, como sendo gestores, dinamizadores e construtores legislativos e organizacionais; e porque acredito que uma sociedade livre, próspera, solidária, coesa e feliz se constrói cada vez mais na família e com a família (coesa, sólida, operativa e construtivista), daí tem de resultar o apoio, o estímulo, a força, a proteção que devem começar a ser dados, e já, às famílias em geral e aos jovens casais em particular.

E se a família deve ser a célula fundamental de qualquer sociedade que se quer construída e desenvolvida em princípios, critérios e valores humanos e espirituais, aqui reside a fórmula, a razão, o elixir mágico capaz de lhe dispensar a dinâmica, o apoio e o estímulo indispensáveis ao seu bom e frutuoso funcionamento; e isto para que tenhamos famílias sólidas, educadoras, apaixonadas e, consequentemente, felizes.

Então, até de hoje a oito.


Autor: Dinis Salgado
DM

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15 junho 2022