Na quarta-feira passada (Quarta Feira de Cinzas), começou o tempo litúrgico da Quaresma. A Igreja convida-nos a fazer penitência e oração, não porque no resto do ano estejamos dispensados de rezar e de nos sacrificar, mas porque nestes quarenta dias até à Páscoa, devemos ter uma preocupação efectiva por vivermos com mais generosidade os dois aspectos referidos.
Uma ideia que pode orientar a nossa conduta cristã é a de que devemos ter presente muitas vezes o que aconteceu naquelas horas intensas em que Jesus sofreu a sua Paixão. Graças aos quatro evangelistas que, inspirados por Deus, nos deixaram, cada um a seu modo, relatos tão vivos dessa ocorrência, não nos falta matéria para ponderar e perceber o amor de Deus por nós e a forma mortificada como Cristo sofreu todas as humilhações e todas as dores físicas que supõe uma crucifixão, antecipada por uma tremenda flagelação e todo o rol de escárnios, insultos e despautérios que sobre Ele recaíram.
Um lugar onde deveremos ir muitas vezes com o pensamento e a imaginação é ao Monte Calvário. Aprenderemos como o perdão de Deus se mostra intenso e incontornável. Não ouviremos Jesus protestar com tudo o que está a suceder E quando relembrarmos a súplica que dirige a seu Pai: “Pai, perco-lhes, porque não sabem o que fazem”, aprenderemos a lição de que também nós, quando somos maltratados, precisamos de saber pôr nas mãos de Deus quem nos ofendeu, para que com o seu Amor esqueça a maldade desse acto e desculpe com aquela capacidade de perdoar até setenta vezes sete, que o Senhor ensinou a Pedro.
No Calvário, ouviremos a chacota dos judeus importantes (era para eles que Nosso Senhor pedia, especialmente, o perdão do que tinham feito ao condená-Lo à morte),e, ao nosso lado, veremos várias mulheres e um jovem, João, que tinha sido discípulo do Mestre divino. Só ele tivera a coragem de O acompanhar até à morte. Os seus companheiros primaram pela ausência. Junto de si, a Mãe de Jesus, que não escondia a sua dor ao contemplar o Filho. Provavelmente, pelas ruas de Jerusalém, enquanto se dirigia para o Calvário, fora apontada como a mãe daquele que carregava com a Cruz, acompanhado por dois ladrões. E terão surgido muitos comentários negativos: Mãe de tal filho não o soube educar; uma mãe de um filho condenado à morte não pode ser boa mãe, etc. Maria ouviu e calou esses ditos. Queria acompanhar Jesus até ao final de tudo o que estava a acontecer. Como mãe, não podia abandonar quem trouxera ao mundo em momentos tão duros e violentos.
Jesus agradeceu-lhe a sua presença, porque compreende que só essa mulher entende todo o sentido redentor da sua morte na Cruz. E manifestou a confiança que nela tinha como educadora e mãe. Aí lhe pede para assumir a maternidade de todos os homens, na pessoa de João Evangelista. Maria aceita, porque nunca recusou o que quer que fosse a Jesus. Por isso, quando olhamos para ela, mesmo lavada em lágrimas e cheia de dor, compreendemos que a forma como nos vê não é apenas de uma criatura que sofre horrivelmente com a situação do seu Filho. O seu olhar para connosco é verdadeiramente maternal, cheio de carinho e de empenho por realizar em cada um de nós o que Jesus lhe confiou: a nossa salvação. Cristo deixa de ser o Filho único de Maria. Desprende-Se dessa condição ímpar, porque a única ambição que tem no seu coração é de um dia nos ver entrar no reino dos Céus. E sabe que a colaboração da sua Mãe é uma forma verdadeiramente eficaz.
As lições do Calvário convidam-nos, em primeiro lugar, a compreender o modo absolutamente inaudito do amor que Deus nos tem. Tudo faz para nos levar para o Reino dos Céus. Compreendemos, deste modo, que o tempo quaresmal nos convide a ser mais penitentes – o exemplo de Jesus e de sua Mãe é muito concreto e objectivo – e a ganhar mais intimidade com Deus através de uma oração cuidada e generosa. A alegria da Ressurreição, que viveremos na Páscoa, não dispensa este tempo que estamos a viver, procurando nele ser, como Jesus e Maria, pessoas verdadeiramente sacrificadas.
Autor: Pe. Rui Rosas da Silva