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A minha mãe já não se lembra de mim...

A minha mãe era uma senhora vaidosa. Punha pó de arroz todos os dias, arranjava as suas unhas e o seu cabelo no cabeleireiro na zona onde morava. Estudou e aprendeu a falar francês. Ensinou os bisnetos a rezar e a cozinhar, entre outras tarefas que fazia com muito afinco e prazer… Mas um dia, ao chegar a casa, a minha mãe não sabia onde estava… Achámos que teria sido apenas um episódio pontual… Mas estes episódios pontuais foram-se repetindo, por exemplo, quando não se lembrava do que tinha dito há 5 minutos antes. Inicialmente conseguia disfarçar e, “dando a volta” à situação, referindo que andava com a cabeça cansada, ia pedir umas vitaminas à médica de família. Associamos sempre que poderia ser um quadro ligado à sua idade e à depressão que tratava há alguns anos. Mas depois vieram as quedas, que começaram a ser cada vez mais frequentes. Optámos por levá-la a um neurologista… e o pior foi descoberto, a nossa mãe forte, era agora uma pessoa idosa, com demência.

Este relato retrata de uma forma metafórica, mas com sintomas comportamentais reais, como o que se passa na casa de muitos portugueses(as). A pandemia do Covid-19 veio demonstrar fragilidades como já falámos anteriormente noutros artigos, como a necessidade de uma articulação robusta entre o sector da saúde e da área social e o tratamento que se está a dar aos cuidadores informais deste país.

Já percebemos que esta pandemia permanecerá durante algum tempo, mas também temos de ter consciência que também, por outro lado, é inevitável que com o aumento de uma população envelhecida surjam quadros de maior dependência, de depressão, doenças crónicas (como o recurso à polimedicação) fazendo com que haja um aumento de mais necessidades e que estas, certamente, não estão devidamente diagnosticadas. O profissional de saúde deve começar o diagnóstico em duas fases – numa primeira fase, determinar o quadro clínico de demência e tentar explicar a causa de síndrome demencial e numa segunda fase, avaliar qual o problema que necessita de prestação de cuidados/resolução, bem como, apostar numa abordagem psicológica e social com o envolvimento de uma equipa multidisciplinar, personalizado e com suporte à família.

Trazendo os dados do meu doutoramento, por exemplo no Serviço de Apoio Domiciliário, se se criarem perfis de clientes (Sinn, et al., 2017, Parsons, et al., 2018), esta pode ser uma forma de resolver o problema, pois este sistema facilitará a resposta às necessidades dos idosos e tornará o SAD mais eficiente, porque introduz uma relação entre o perfil do idoso e do cuidador e facilita a abertura a novos sistemas de financiamento. Assim, através de sistemas de deteção precoce, poder-se-á detetar de forma atempada o surgimento de situações de demência, que bem diagnosticadas, evitarão o surgimento de situações em que a população idosa e as suas famílias, quando recorrem aos serviços sociais, já o fazem em situação de grande dependência, ocorrendo já na amostra estudada este fenómeno essencialmente, no público masculino.

Como tal, é muito importante não nos esquecermos desta população e cabe aos profissionais de saúde e da área social a aposta articulada na realização de diagnósticos de demência, percebendo as suas manifestações clínicas, a nível neuropsicológico, neuropsiquiátrico e nas dificuldades da vida diária e dando a conhecer às famílias, por exemplo, que a demência assume um percurso neurodegenerativo progressivo classificado em 10 estádios (Global deterioration Scale, Reisberg B. et al, 1982).

Lia Fernandes (investigadora principal do grupo de investigação GeriMHealth, do CINTESIS - médica psiquiatra) que é necessário investir na formação contínua das equipas que trabalham nas respostas sociais e criem “objetivos realistas de planos de cuidados, com suporte aos idosos e aos seus familiares e ir reajustando estes objetivos e planos de cuidados de acordo com as necessidades” tal como defendem os autores Livingston, 2005; Benoit 2006; Llorens- Martin et al. (2013).

Só assim é que poderemos melhorar a qualidade de vida dos idosos e das suas famílias que percebem como podem lidar com a problemática da demência associada ao processo de envelhecimento. E por outro lado, tal como defendeu num artigo de opinião de um jornal do ano passado, Pedro Machado Santos (investigador do CINTESIS, psicólogo clínico) que os direitos fundamentais dos idosos associados à problemática da demência estes tem de continuar a ser defendidos, porque senão podemos estar a correr o risco de isolarmos cada vez mais as pessoas e as suas famílias.


Autor: Joana Barbosa
DM

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24 fevereiro 2021