Fazer política é puxar a brasa para a sua sardinha, é convencer os eleitores de que se é melhor do que outros para os representar. Fazer política é lutar pelo poder, como objectivo maior, ou, ao menos, brigar por poder. Compreendo António Costa quando defendeu, no domingo passado, em mensagem codificada, não serem desejáveis "soluções de remendo", nem "soluções provisórias de governo para dois anos", acrescentando que "o país precisa mesmo de estabilidade para executar estas políticas ao longo dos próximos quatro anos". Trocando por miúdos estas citações, o que o secretário-geral do Partido Socialista quis dizer aos correligionários presentes e aos que o pudessem ouvir e ler na comunicação social é que o ajudassem a conseguir a maioria absoluta nas próximas legislativas.
A mensagem merece, por isso, ser escalpelizada. Costa acha que se o PS não tiver uma maioria absoluta no Parlamento, vai precisar de negociar com outras bancadas, tal como teve de fazer até aqui. Será uma solução de remendo, segundo ele, apesar de a ter preferido durante os primeiros quatro anos do seu governo. Não penso assim. A democracia é um regime de equilíbrios, de negociação e compromissos e as maiorias de um só partido, apesar de aceites e legais, não são o melhor exemplo de funcionamento do sistema democrático. Soluções como a que vigorou durante os últimos seis anos, que muitos podem achar que foram longos, não são remendos, são respostas à vontade dos eleitores. O curioso é que quando se “remendou” a decisão do povo em 2015 não se caracterizou o arranjo como um remendo, mas como uma solução democrática e decorrente do Parlamento. E foi.
Costa também não quer governar só dois anos, muito embora tenha contribuído para que o seu segundo governo durasse esse mesmo tempo. Numa negociação bem sucedida ganham todos os intervenientes e noutra que seja rompida todos perdem e são responsáveis pelo resultado. O PS foi um dos intervenientes na negociação do Orçamento de Estado para 2022. Em resultado do falhanço, o governo caiu. Agora, o que se formar depois das eleições de janeiro próximo será, em princípio, para quatro anos, tantos quantos os da legislatura. É essa a perspectiva. Resistir à tentação de ser totalitário ou tirano é o que se pede aos governos que não tenham um suporte maioritário na Assembleia da República. Negociar, negociar e negociar, deve ser o lema de compromisso. Com determinação, mas cientes de que possam não ter maioria. Essa é a responsabilidade que os cidadãos esperam dos seus governantes.
É verdade que "o país precisa mesmo de estabilidade […] ao longo dos próximos quatro anos", como diz o primeiro-ministro em exercício. Mas, a estabilidade não se consegue apenas com maiorias absolutas. Consegue-se também com maiorias relativas que saibam e queiram negociar com quem esteja disposto a isso, sendo que se exige a mesma responsabilidade de estar abertos a consensos aos parceiros do partido que liderar o governo.
No Forum “Confie no futuro”, promovido pelo PS, António Costa caracterizou assim a ambição do seu partido: “criar condições para que o país possa ter estabilidade nos próximos quatro anos, porque são quatro anos decisivos para nos libertarmos da pandemia, para recuperar dos danos da pandemia, para reconstruir aquilo que a pandemia destruiu e, mais importante do que isso, para usar com toda a energia e determinação os meios que nos são disponibilizados para poder dar um grande salto em frente". No programa que apresentará num dos primeiros dias de janeiro de 2022, o PS vai certamente incluir várias propostas que foram objecto de contenda na discussão do OE 2022. A ambição que Costa não hesitou em declarar agora precisará dos votos de mais eleitores e isso fá-lo-á acolher propostas que antes dizia não poder aceitar. Será que as viabilizará efectivamente se presidir ao novo governo? Mas, se as viabilizar, não será justo que lhe perguntemos por que não o fez quando as esteve a negociar com o Bloco e/ou o Partido Comunista Português?
Autor: Luís Martins